JOSEPH E. STIGLITZ DE NOVA YORK
EU PREVIA há alguns anos que era apenas questão de tempo para que a bolha da habitação nos EUA -iniciada nos primeiros dias da década, com o apoio de um dilúvio de liquidez e de regulamentação frouxa- estourasse. Quanto mais a bolha se expandisse, maior seria a explosão e maior (e mais global) a desaceleração resultante.
Os economistas são competentes na identificação de forças subjacentes, mas nem sempre são tão competentes na previsão de datas. No entanto, a dinâmica segue mais ou menos o caminho antecipado. Os Estados Unidos continuam em trajetória de queda para 2009, com conseqüências graves para o mundo como um todo.
Por exemplo, à medida que sua arrecadação tributária despenca, governos estaduais e locais tentam reduzir suas despesas. As exportações norte-americanas estão prestes a cair. O consumo cai, como previsto. Houve enorme diminuição no patrimônio (percebido), da ordem dos trilhões de dólares, dadas as quedas nas ações e no valor dos imóveis residenciais.
Além disso, a maioria dos norte-americanos vivia com gastos superiores à renda e usavam as casas, e os valores inchados que elas ostentavam, como caução. Isso acabou.
Os Estados Unidos estariam enfrentando esses problemas mesmo que não tivéssemos de encarar uma crise financeira simultaneamente. A economia norte-americana operava sob o estímulo do endividamento excessivo; agora chegou a hora do doloroso processo de desalavancagem. A alavancagem excessiva, combinada a maus empréstimos e derivativos de risco, causou o congelamento dos mercados de crédito. Afinal, quando bancos não sabem nem mesmo calcular os seus balanços, não é provável que confiem nos balanços alheios.
O governo Bush não antecipou os problemas, negou que eles existissem quando surgiram, minimizou a importância posteriormente e, por fim, entrou em pânico. Comandado por um dos arquitetos dos problemas, Hank Paulson, que defendera medidas de desregulamentação e autorização aos bancos para manterem alavancagens ainda maiores, não surpreende que o governo tenha oscilado de uma política a outra -e que cada estratégia fosse defendida com a mais firme convicção, minutos antes que fosse abandonada e substituída pela seguinte. Mesmo que a questão fosse só de confiança, a economia teria afundado.
Além disso, as poucas medidas tomadas tiveram por objetivo sustentar o sistema financeiro. Mas a crise financeira é apenas uma das diversas que o país enfrenta: o problema macroeconômico subjacente foi agravado pelas dificuldades cada vez maiores da metade mais pobre da população. As pessoas que gastariam não têm dinheiro, e as pessoas que têm dinheiro não estão gastando.
Os Estados Unidos, e o mundo, estão também enfrentando um importante problema estrutural, semelhante ao que existia no começo do século passado, quando ganhos na produtividade da agricultura significavam que parcela cada vez menor da população encontraria formas de ganhar a vida nesse setor. Hoje, os avanços na produtividade industrial são ainda mais impressionantes que os da agricultura um século atrás; mas isso significa que os ajustes que precisam ser feitos serão muito maiores.
Não muito tempo atrás, houve discussão sobre os perigos de liquidar de maneira desordenada os imensos desequilíbrios que afligiam a economia mundial. O que vemos hoje é parte dessa liquidação. Mas também há mudanças fundamentais no balanço de poder econômico: o dinheiro líquido acumulado, necessário para ajudar a resgatar o planeta, está agora na Ásia e no Oriente Médio, e não no Ocidente. No entanto, as instituições mundiais não refletem tais realidades.
A globalização significou que somos cada vez mais interdependentes. Não pode haver desaceleração longa e profunda na maior economia do mundo sem ramificações. Argumentei por muito tempo que o conceito de descolamento era um mito; agora surgiram provas.
Isso acontece especialmente porque os EUA exportaram não apenas sua recessão mas sua filosofia regulatória fracassada e suas hipotecas tóxicas, de modo que instituições financeiras na Europa e em outros locais estão enfrentando muitos dos mesmos problemas que encaramos.
Muita gente nos países em desenvolvimento se beneficiou do mais recente boom, por meio de influxos financeiros, exportações e altos preços das commodities. Agora tudo isso está sendo revertido. É uma grande ironia que o dinheiro esteja agora fluindo de economias pobres e bem administradas para os Estados Unidos, fonte dos problemas mundiais.
Desafios
O intuito dessa lista de desafios que o mundo terá de enfrentar é sugerir que, ainda que Obama e outros líderes mundiais façam tudo certo, a economia americana e a mundial terão um período difícil. A questão não é quanto tempo durará a recessão, mas que cara terá a economia ao emergir dela.
Ela retornará ao crescimento robusto ou teremos uma recuperação anêmica, como a do Japão nos anos 90? No momento, voto na segunda hipótese, sobretudo porque o legado de imensas dívidas provavelmente conterá o entusiasmo quanto ao grande estímulo necessário.
Sem um estímulo suficientemente vigoroso (em valor superior a 2% do PIB), teremos uma espiral negativa: uma economia fraca significará ainda mais falências, que empurrarão para baixo os preços das ações e para cima as taxas de juros, solaparão a confiança dos consumidores e enfraquecerão os bancos. O consumo e o investimento terão reduções ainda maiores.
Muitos financistas de Wall Street, tendo abocanhado o dinheiro que lhes foi oferecido, estão agora retornando à religião fiscal do déficit baixo que sempre caracterizou o setor.
É notável a maneira pela qual eles continuam a ser reverenciados em alguns quadrantes, depois de terem provado sua incompetência. O que importa, mais que o déficit, é aquilo que faremos com o dinheiro; tomar empréstimos para financiar investimentos de alta produtividade na educação, na tecnologia ou na infra-estrutura reforça o balanço de um país.
Mas os financistas sairão em defesa da cautela: vamos ver como a economia se sai e, se precisar de mais dinheiro, nós poderemos fornecê-lo. Mas uma empresa forçada a falir não deixa de fazê-lo quando o curso é revertido. O dano é duradouro.
Caso Obama siga seus instintos, preste mais atenção ao país do que a Wall Street e aja com ousadia, existe a perspectiva de que a economia comece a emergir de sua crise pelo final de 2009. Se não, as perspectivas de longo prazo para os EUA, e para o mundo, são sombrias.
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