Cláudia Schüffner, de Houston
A Petrobras se prepara para iniciar testes de produção no reservatório onde encontrou o campo de Tupi. A empresa tem à frente uma série de desafios tecnológicos e de engenharia. Entre eles, escolher materiais e equipamentos para perfurar poços sem que espessa camada de sal desmorone. É preciso tomar decisões sobre equipamentos e tecnologias e negociar com fabricantes para enfrentar o desafio de produzir petróleo em nova fronteira.
A área técnica da Petrobras se esforça para trabalhar com fatos, apesar das inúmeras notícias sobre o tema. As únicas estimativas de reservas oficiais até agora são as de Tupi - entre cinco e oito bilhões de barris de petróleo. Para as reservas restantes, as estimativas iniciais apontam de 70 a 100 bilhões de barris.
A estatal inicia em 2009 testes de longa duração no Tupi para conhecer melhor o pré-sal. Em 2010, deve começar a produção de 100 mil barris de petróleo/dia e 3,5 milhões de m3 de gás na área, por meio de um piloto com capacidade para 100 mil barris/dia. As encomendas estão em curso.
O gerente-executivo da área de exploração e produção da Petrobras para o pré-sal, José Formigli, diz que, antes de planejar vôos mais altos para o pré-sal, a Petrobras precisa conhecer com detalhes o tipo de rocha que abriga esse petróleo, decidir qual a melhor forma de perfurar os poços e tomar decisões sobre a logística das operações. Isso envolve o transporte do petróleo e gás, que estão a 300 quilômetros da costa e 2.200 metros de profundidade. A empresa decidiu escoar o gás de Tupi até Mexilhão por um gasoduto de 250 quilômetros no fundo do mar.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista dada por Formigli ao Valor, em Houston (EUA):.
Valor: A Petrobras já fez um levantamento do que a indústria nacional pode suprir de equipamentos e serviços para explorar o pré-sal?
José Formigli: Vamos levar isso ao Prominp, BNDES e Onip assim que tivermos melhor definição das prováveis demandas de equipamentos e materiais. Já estamos trabalhando nisso. Serão árvores de natal, tubos, chapas, aço forjado, aço fundido, ligas metálicas e plásticos. Em algumas semanas teremos a primeira estimativa, muito preliminar. A Petrobras vai buscar, de forma competitiva e economicamente viável, que a indústria brasileira, em toda a sua cadeia de suprimentos, esteja apta a fornecer para nós, em nível similar ou melhor ao praticado hoje nos nossos projetos.
Valor: Quais os desafios que a Petrobras vai ter que enfrentar para explorar o pré-sal?
Formigli: Até agora, baseado no que descobrimos, percebemos nos poços já testados alguns desafios técnicos e logísticos para desenvolvimento do pré-sal. Para diminuir as incertezas associadas a esses desafios, criamos várias frentes de trabalho. Uma delas é para coleta de dados, principalmente sobre condições de reservatório e de escoamento de óleo e gás, que vamos começar a estudar por Tupi. Aquilo lá ainda é uma área, e não um campo, porque ainda não foi declarada a sua comercialidade. E entre as acumulações descobertas, a mais avançada, em termos de delimitação é Tupi. Ali, os dois testes que fizemos mostraram comportamentos similares, apesar de estarem a dez quilômetros de distância. Isso nos deixou otimistas com a possibilidade de que se trata de uma descoberta comercial de grande volume e grande possibilidade de recuperação. Para obter mais dados resolvemos partir para duas etapas de testes em Tupi.
Valor: Como serão esses testes?
Formigli: Vamos fazer um Teste de Longa Duração, ou TLD, e um piloto. No TLD, vamos usar uma plataforma com capacidade para 30 mil barris/dia, que vai produzir em dois poços, não simultaneamente. Não por qualquer problema de reservatórios, mas porque queremos fazer isso rápido. O objetivo é começar o TLD em março de 2009. Já contratamos parte de serviços, equipamentos, linhas. Também já alocamos as sondas que estavam na frota da Petrobras. Os sócios (BG e Galp) aprovaram também um piloto com capacidade de produzir 100 mil barris/dia e estamos licitando uma plataforma flutuante (FPSO) com capacidade de escoar 3,5 milhões de m3 de gás. Vamos ter um gasoduto submarino de 248 quilômetros, que vai interligar Tupi com Mexilhão, e que ainda está em fase de licitação. O gasoduto vai levar o gás para a infra-estrutura que está sendo construída em Caraguatatuba (SP).
Valor: O piloto vem depois?
Formigli: Serão quase simultâneos. Os equipamentos do TLD vão ficar em Tupi durante um tempo e depois vamos usá-los em outros reservatórios. No piloto vamos fazer oito poços. Se der certo, vai se tornar um sistema definitivo de produção com 16 poços. Os oito primeiros estão com projeto mais maduro. Serão cinco poços produtores, dois poços injetores de água e um injetor de gás. Os 3,5 milhões de m3 de gás produzidos serão enviados para a terra por gasoduto. A motivação do teste-piloto não é antecipar a produção, mas obter informação para reduzir as incertezas do conhecimento do reservatório e partirmos para o desenvolvimento definitivo da área. Essa é a lógica de qualquer empresa de petróleo. Se o melhor sistema de produção for através de injeção de água, vamos projetar as plataformas com sistemas de injeção de água. Se for gás, serão projetadas para injetar gás. Pode ser que, no final, o ideal seja um misto.
Valor: Quando esse gasoduto ficará pronto?
Formigli: O primeiro óleo do piloto de Tupi, com gás sendo transferido, fica pronto em dezembro de 2010. É um super fast-track. O gasoduto começa com profundidade de 2.200 metros, que é onde ficará a plataforma de Tupi, e chega até Mexilhão, que está em torno de 180 metros de profundidade.
Valor: Qual a dificuldade para se construir um gasoduto de 250 km em águas profundas?
Formigli: A distância não é o problema, tanto que fizemos o Gasbol, vindo da Bolívia, com 2 mil quilômetros. A plataforma terá um sistema de compressão de gás que vai servir tanto para fazer gaslift (injeção de gás nos poços), quanto para mandar gás para terra. A pressão precisa ser calculada para chegar até Caraguatatuba. Não há desafio tecnológico aí. A dificuldade é mobilizar um navio para instalar a tubulação nessa lâmina d' água. Por isso decidimos que o gasoduto terá 18 polegadas e capacidade para transportar até 10 milhões de m3 de gás. Isso é o máximo que navios disponíveis hoje na frota mundial são capazes de atingir. Acreditamos no projeto tanto quanto apostamos em Mexilhão. Ali colocamos uma estrutura em que (os campos) Mexilhão, Uruguá-Tambaú e agora Tupi vão poder pegar carona na estrutura de Caraguatatuba.
Valor: Então não há dificuldade nesse gasoduto?
Formigli: É totalmente viável tecnologicamente, a engenharia já está projetando e não há nenhum vislumbre de impedimento técnico que impeça a viabilidade do projeto, seja em termos de instalação, de especificação dos dutos ou da capacidade de compressão para a molécula chegar lá na terra.
Valor: Então, quais são os verdadeiros desafios do pré-sal?
Formigli: Um deles é a caracterização do reservatórios do pré-sal. Precisamos conhecer essa formação, que se chama carbonato microbial, que não é muito comum no mundo. Ela ocorre no Oriente Médio, na área de Omã, mas tem características diferentes. Uma das coisas que precisamos saber é qual o melhor mecanismo de recuperação secundária dessa formação. Todo poço de petróleo, se você fizer um furo, começa a produzir e depois a produção cai. Cabe a nós brigarmos contra esse declínio. Existem vários mecanismos desenvolvidos para isso. O mais comum e mais barato é a injeção de água, que varre os poros da rocha e faz uma frente de água que empurra o óleo para os poços produtores. Se você olhar (os campos) Marlim, Albacora, Barracuda, Caratinga e Roncador, todos produzem desse jeito. Mas isso funciona bem para arenitos, rocha de origem vegetal que existe nas águas profundas de Campos. Os carbonatos do pré-sal, que são de origem animal, são mais complicados. São menos porosos e alguns mais permeáveis. Dá uma trabalheira para geólogos e geofísicos imaginarem o que tem lá embaixo. Por isso precisamos fazer um piloto.
Valor: Quais são os outros desafios dessa operação?
Formigli: A geometria dos poços é um desafio, a logística também. Tudo aqui é desafiador, mas não temos indicação de que seja intransponível. A decisão vai ser entre custo (de cada poço) versus benefício. O sal é quase líquido, é preciso revestir e cimentar o poço. O perigo do sal é ele colapsar, ele incha e desmorona. O sal que existe lá embaixo (antes do reservatório) é uma rocha que, pelas condições de pressão e temperatura, é mais ou menos dura. Só que quando se perfura sem a geometria correta e os fluidos adequados, vai desmoronando. E precisamos decidir se serão horizontais, ligeiramente inclinados, com grande desvio ou verticais. É preciso definir a geometria para garantir a maior vazão possível. O ideal é sempre perfurar um número pequeno e ter uma vazão grande. Precisamos fazer simulações em computador.
Valor: Qual o melhor para Tupi?
Formigli: Em Tupi pode ser de um jeito ou de outro. O problema é decidir quanto vai custar uma ou outra alternativa e quanto a mais de produção vou ter nessa ou naquela. Nos arenitos da Bacia de Campos, a melhor solução é a (perfuração) horizontal. Fizemos dezenas de poços como esse no Parque das Baleias e o campo de Papa-Terra também vai ser assim. Tivemos uma curva de aprendizagem estupenda, reduzimos tempo de sonda e em função disso o custo dos poços tende a diminuir. Agora vamos testar no piloto os tipos de poços para ver qual deles vale a pena em termos de produtividade. A tecnologia existe e está ali, na prateleira. A jogada é botar tudo junto.
Valor: A dificuldade logística é por causa da distância da costa?
Formigli: O desafio é fazer o suprimento de sondas, plataformas, gente, diesel e comida. Para chegar às plataformas e sondas será preciso viajar até 2 horas helicóptero. E se der certo tudo o que estamos imaginando em termos de volumes, vamos ter vários pontos para atender. É preciso analisar a economicidade disso. O custo dessa logística é um negócio no qual temos que pensar desde o nascedouro. E o último desafio para fechar a conta é o escoamento do gás.
Valor: E o gás?
Formigli: Pelos volumes que imaginamos que a área poderá produzir, os gasodutos não são a única alternativa. Estamos avaliando plantas offshore de GNL. Já encomendamos alguns projetos, estudos, e percebemos que há viabilidade técnica. Falta calcular o potencial econômico.
Valor: Serão quantas plataformas na Bacia de Santos quando os campos do pré-sal estiverem em operação?
Formigli: Temos estimativas, estamos trabalhando cenários, mas não vamos torná-los públicos até decidir qual adotar. Será uma operação significativa, do porte da Bacia de Campos, onde devem estar umas 80 plataformas e sondas, fora os barcos de apoio.
Valor: As plataformas terão mesmo um novo desenho?
Formigli: Estamos avaliando plataformas do tipo TLP e as SPAR. As plataformas flutuantes (FPSOs) exigem muitas sondas de perfuração e equipamentos submarinos. E os sistemas como o SPAR, mais adequado para águas profundas, têm completação seca, as sondas estão em cima e podemos levar os poços até lá. Estamos estudando as duas alternativas.
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