Americano lista 6 mil pessoas capazes de mudar o mundo mais pelas conexões sociais que pelo dinheiro.
Gabriela Carelli
Nada de regras, nem processo formal. Quando a crise imobiliária americana atingiu seu ápice e o risco de recessão nos Estados Unidos tornou-se iminente, Timothy Geithner, o dirigente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) de Nova York, foi impelido a agir.
Consciente de que nem o Fed nem qualquer instituição tem poder nos dias de hoje para estancar crises semelhantes, ele sacou o telefone e disparou ligações. Em pouco tempo, reuniu uma dezena de líderes das empresas mais importantes do mercado. "Digam-nos o que fazer e trabalharemos para que nada os impeça", disse. "Se vocês agirem, todos se moverão com vocês."
A história sobre a atuação de Geithner nos bastidores da crise americana revela mais do que a colaboração entre instituições públicas e privadas em assuntos de relevância mundial. Geithner e os poderosos a quem ele telefonou formam um grupo seleto de pessoas detentoras de muito poder, capazes de mudar o curso dos acontecimentos.
Trata-se da nova elite, a superclasse. Um grupo composto por empresários, políticos, artistas, religiosos, filantropos - indivíduos que valem mais pelas suas conexões sociais e poder de influência do que pelas fortunas ou nacionalidades.
Sozinho, cada um dos membros dessa classe é capaz de transformar a vida de milhões em todo o planeta. Para isso, eles abusam de seus relacionamentos com outros "super", interação que lhes garante ainda mais poder.
Bill Gates, co-fundador da Microsoft e um dos maiores filantropos da atualidade, é um "super". Paulo Coelho, o segundo escritor que mais vendeu livros na história, também. Juntam-se a eles Bono, vocalista da banda U2, o papa Bento XVI e os criadores do Google, Sergei Brin e Larry Page. Na lista dessa elite (formada por cerca de 6.000 pessoas, ou um em cada milhão de habitantes) constam inclusive nomes controversos, como o traficante de armas russo Viktor Bout e o terrorista Osama Bin Laden, líder da Al-Qaeda.
"A era do poder herdado acabou", diz ao Estado o americano David Rothkopf , autor do livro recém-lançado Superclass: The Global Power Elite and the World They are Making (A Superclasse: a Nova Elite Global e o Mundo que Eles estão Fazendo). "Quem tem poder hoje é quem tem influência", explica. "O presidente Lula é um exemplo. Tornou-se uma figura mais relevante dentro dessa elite graças ao sucesso do etanol."
Rothkopf, funcionário do alto escalão da Casa Branca no governo de Bill Clinton, foi o primeiro a cunhar o termo superclasse. Mas a noção de que uma elite atípica - oriunda da globalização, do afrouxamento das fronteiras e dos avanços tecnológicos - começou a se formar nas últimas décadas é anterior a ele. Um dos primeiros a observar a formação desse novo grupo foi o chefão do Citibank Walter Wriston, falecido em 2005. Um ano antes do lançamento da World Wide Web, em 1991, ele já previa que os beneficiados no novo século seriam os que aderissem à economia da informação. O cidadão global que pertence à essa superclasse foi descrito também pelo cientista político Samuel Hungtinton como o "homem Davos", o líder internacional da nossa era, para quem as fronteiras são desprezíveis.
As elites existem desde que o mundo é mundo e sempre estiveram ligadas à aristocracia, à riqueza e ao poderio militar de um país. Até a década de 50, os membros de uma elite eram descritos como pessoas capazes de transpor os meios comuns, em posição de tomar decisões, no topo das maiores hierarquias e organizações. "A superclasse tem um pouco de todos esses elementos, mas vai além. É mais permeável e mais global do que qualquer outra elite da história," afirma o autor. Segundo ele, antes havia conexões entre as elites de várias partes do mundo, mas eram relações restritas a alianças entre governos e chefes de Estado.
Os anos do pós-guerra e a Guerra Fria mantiveram as nações como grandes centros de poder. "Com a globalização, a noção dos países como centros de governança começou a ruir", diz Rothkopf. A transformação das empresas em potências transnacionais alimentou a superclasse. Em 1960, uma companhia internacional média tinha 100 subsidiárias. Hoje tem 10.000. Em 1950, a defesa americana tinha um orçamento maior do que a receita de todas as grandes companhias do país. Hoje, apesar de o orçamento do Exército ser grande, a receita de duas dessas empresas supera o montante em 50%.
O dinheiro é, sim, parte importante da equação que define quem está dentro ou fora da superclasse. Cerca de 10% das 6.000 pessoas da superclasse detêm 85% de toda a riqueza do planeta. O magnata mexicano Carlos Slim, da Telmex, é um deles. Ele é conhecido por promover eventos grandiosos em Davos, ao custo de dezenas de milhões de dólares, onde reúne empresários e líderes latino-americanos. Cuida de toda a programação, escolhe as palestras, define os jogos de tênis e golfe e até quem vai jogar com quem. "Nessas ocasiões ele encontra as pessoas certas, que podem influenciar os seus negócios no mundo todo", diz Rothkopf. "Ele é um exemplo de como essa elite age: o mais importante é se relacionar bem."
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