Os investidores estrangeiros não esperaram a confirmação da alta da taxa Selic ao término da reunião de hoje do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central e reverteram completamente, nesse começo de junho, suas posições nos mercados de derivativos cambiais da BM&F. Os fundos de capital externo encerraram o mês passado "comprados" em dólar, apostando na alta da moeda americana. Em face do avanço do juro básico brasileiro, esse posicionamento é errado e oneroso. Por isso, inverteram rápida e pesadamente a direção dos contratos, assumindo no primeiro dia útil de junho vultosa posição "vendida".
O capital de fora encerrou maio "comprado" liquidamente entre os pregões de cupom cambial e dólar futuro em US$ 26 milhões. Ao longo do mês, os hedge funds foram diminuindo a posição "comprada" cujo ápice foi alcançado no dia 9, com posição total de US$ 5,02 bilhões. E, de "comprados" em US$ 26 milhões no dia 30 de maio, passaram a "vendidos" em nada menos do que US$ 4,19 bilhões no dia útil seguinte, dia 2 de junho. A guinada é explicada não só pela ampliação da diferença entre os juros nominais brasileiro e americano, mas também pela aberração decorrente do fato de que um país agraciado recentemente com o selo de segurança anticalote de duas das maiores agências de rating do mundo decidirá ampliar ainda mais a já excelente remuneração real paga aos investidores estrangeiros. Ou seja, o paraíso financeiro que conjuga máxima segurança, plena liquidez e maior ganho real do mundo existe e está localizado aqui mesmo.
Com a alta que será imposta hoje à Selic pelo Copom, o Brasil amplia a sua vantagem na liderança do ranking dos maiores pagadores de juros reais do mundo. Se, como é consenso, a taxa básica subir a 12,25%, o juro real brasileiro projetado para os próximos 12 meses avançará para 6,9%, distanciando-se do segundo colocado, a Austrália, com promessa de ganho acima da inflação de 5,5%. O terceiro colocado é a Turquia, com taxa real de 5,3%. A média de juro real do ranking de 40 países pesquisados pela consultoria UP Trend é de 0,2% ao ano. O diretor da consultoria, Jason Vieira, observa que a condição brasileira de campeão mundial de juro real não está sob ameaça. Para perdê-la, ao invés de elevar a Selic em 0,50 ponto, o Copom teria de reduzí-la em 1 ponto. Impossível. Na lista de países líderes em juro nominal, o Brasil persiste na terceira posição, atrás da Turquia (15,5%) e da Venezuela (15,4%).
A generosidade monetária nacional faz o dólar ter aqui dentro comportamento bem distinto do exibido nas maiores praças mundiais. Enquanto no mercado local a moeda caiu ontem 0,18%, cotada a R$ 1,63, lá fora o dólar subiu por causa da "intervenção" cambial verbal feita pelo presidente do Federal Reserve (Fed), Ben Bernanke e por dado auspicioso sobre a economia americana. As encomendas à indústria dos EUA subiram 1,1% em abril, alta bem superior à expectativa dos economistas, de avanço modesto de 0,1%. Em discurso, Bernanke manifestou-se sobre o dólar. É muito raro um presidente do Fed defender a moeda publicamente. Mais raro ainda se faz uma defesa enfática do câmbio como instrumento antiinflação. Segundo ele, o Fed não só irá monitorar cuidadosamente a taxa de câmbio como agir explicitamente para garantir que a moeda permaneça "forte e estável". A fala encerra oficialmente o ciclo de baixa do juro americano e amplia o furo na bolha das commodities. O petróleo despencou ontem 2,7% em Nova York, cotado a US$ 124,31.
Os juros futuros caíram na BM&F. Isso é importante porque como lembra o analista independente Francisco Vasconcellos não é a Selic propriamente quem faz o ajuste monetário, mas sim a curva longa de juros. "A curva atual já reflete a expectativa de todo o aperto monetário que será feito. É também para esta curva que o BC olha. Evidentemente, discussões a cerca da magnitude da alta dos juros são importantes, sempre imaginando seu impacto na curva longa, ou seja, se esta alta irá ratificar ou não as expectativas precificadas na curva. E a curva longa está onde o BC gostaria que ela estivesse", diz ele. Se o Copom subir a Selic hoje em 0,75 ponto estará contrariando a curva. O contrato mais curto, que espelha a decisão que será tomada hoje, fechou ontem a 12,09%, embutindo 80% de chance de a taxa avançar 0,50 ponto, para 12,25%. Os dados sobre aumento da produção industrial divulgados ontem pelo IBGE e a afirmação do ministro Paulo Bernardo de que a meta fiscal adicional de 0,5% será assumida oficialmente dispensam aperto mais severo.
Luiz Sérgio Guimarães é repórter de finanças
luiz.guimaraes@valor.com.br
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