Sergio Lamucci, do Rio
O Brasil e outros países da América Latina vão enfrentar tempos muito difíceis em 2009, sofrendo o impacto da turbulência que continua a assolar os mercados financeiros e da forte desaceleração econômica nos países desenvolvidos. A região terá de se habituar a um período considerável de escassez de capitais e a preços de commodities mais baixos, combinação que implicará taxas de crescimento bem mais modestas do que as registradas nos últimos anos, advertiram vários dos participantes do Encontro Latino Americano da Sociedade Econométrica (Lames, na sigla em inglês) e da Associação de Economia da América Latina e do Caribe (Lacea), realizado no Rio de quinta a domingo.
Um forte pessimismo em relação à situação da economia global foi a tônica dominante dos debates, o que se traduziu em visões bastante negativas para o futuro próximo da América Latina. Para o presidente da Lacea, Mauricio Cárdenas, uma parada súbita no fluxo de capitais para a região está próxima ou talvez já esteja em curso, um movimento que ajuda a explicar as fortes desvalorizações cambiais que atingiram países como o Brasil nos últimos meses. Se o canal financeiro está travado, as perspectivas tampouco são animadoras do lado da economia real. Cárdenas lembrou que os preços das commodities recuaram 16% no último mês, uma péssima notícia para uma região em que os produtos primários respondem por cerca de metade da pauta de exportações - no caso do Brasil, a 53,5%, segundo ele.
Também membro do Brookings Institute, Cárdenas destacou que o comportamento da economia chinesa será crucial para as perspectivas econômicas latino-americanas, dado o apetite da China por commodities. Como as perspectivas para as exportações da China não são das melhores e boa parte dos investimentos é feita em setores exportadores, o país pode sofrer uma desaceleração significativa do crescimento em 2009.
Charles Calomiris, da Universidade de Columbia, mostrou a mesma preocupação com o país asiático, acrescentando que a China funciona como um bom "indicador antecedente" do que vai ocorrer na América Latina. "A China é de fato um bom indicador para a conta corrente da região. Para a conta de capitais, o indicador antecedente é Nova York", completou Cárdenas.
A situação financeira global está longe de ser tranqüila, destacaram vários analistas. O economista Michael Dooley, da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz (EUA), disse que houve alguma estabilização nas últimas semanas da situação dos bancos nos EUA e na Europa, mas o panorama para o sistema financeiro "fora dos bancos" continua complicado. Por estarem mais protegidos, os bancos acabam "sugando" recursos de outras partes do sistema financeiro e de países que estão fora dessa rede de proteção.
Esse fenômeno ajudaria a explicar a onda de depreciação do câmbio em muitos países emergentes. Ao comentar a desvalorização do real, Dooley afirmou que se trata de um processo que não deriva de um problema do Brasil, mas sim de um movimento "geral e severo" de desalavancagem (redução de endividamento e crédito) de ativos financeiro no mundo inteiro. Num cenário de incerteza como esse, pouco importa se o país tem US$ 200 bilhões de reservas e segue políticas saudáveis.
O economista Ricardo Hausmann, da Universidade de Harvard, também vê dias difíceis para a América Latina, mas acredita que a reação será bem diferente no caso dos "bons e dos maus sujeitos". Bons sujeitos como Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru, que mantiveram políticas fiscais e monetárias responsáveis, sofrerão um pouco e terão algumas dificuldades, mas não terão os problemas drásticos de Venezuela e Argentina, disse o venezuelano Hausmann. Para ele, esses dois países terão momentos muito difíceis pela frente, dada a adoção de políticas populistas nos últimos anos.
No Congresso realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), discutiu-se bastante se os países latino-americanos têm espaço para adotar estímulos fiscais e monetárias para contrabalançar os efeitos da crise, como têm feito os países desenvolvidos. Em geral, aumentos de gastos públicos foram vistos com reservas - o ideal seria contê-los, até para permitir reduções de juros caso não surjam pressões inflacionárias relevantes.
Márcio Garcia, da PUC-Rio, seguiu essa linha de argumentação para o caso brasileiro. Ele ressaltou que, como os gastos correntes (pessoal, aposentadorias, custeio da máquina pública, programas como o Bolsa Família) já vêm crescendo com força nos últimos anos, seria uma má idéia aumentá-los. Se alguma despesa tiver de crescer, que sejam os destinados a investimentos - o problema é que o governo demonstra dificuldades gerenciais em elevar as inversões, disse ele. Com isso, a melhor estratégia seria conter a expansão dos gastos correntes, o que pode abrir espaço para o uso da política monetária.
O ex-diretor do Banco Central (BC) Ilan Goldfajn, sócio da Ciano Investimentos, também disse que o país não deve adotar medidas de estímulo fiscal. Num cenário em que as receitas do governo tendem a cair devido à desaceleração da atividade econômica, seria uma péssima idéia elevar despesas que possam comprometer o cumprimento de metas fiscais. Segundo Goldfajn, se a arrecadação cair com força e tiver ocorrido aumento expressivo dos gastos, podem voltar a surgir dúvidas quanto à sustentabilidade da dívida pública, que, para ele, não "é tão pequena como muitos acreditam" - está hoje na casa de 40% do Produto Interno Bruto (PIB).
Num momento de crise, isso seria o "beijo da morte", disse Goldfajn. Para ele, se houver espaço para o Brasil fazer políticas contracíclicas, o ideal é que seja por meio da política monetária. Como os juros reais ainda são muito elevados, o país pode ter aí um instrumento mais eficaz para estimular a atividade econômica caso a desaceleração da economia seja significativa. Goldfajn lembrou que a queda dos preços das commodities terá um impacto favorável para o controle da inflação, provavelmente compensando os efeitos negativos do dólar mais caro.
Cárdenas também acredita que, no curto prazo, é mais eficiente usar a política monetária do que aumentar os gastos públicos. Se algo for feito em termos de política fiscal, o ideal é que seja um estímulo temporário - e voltado para investimentos, afirmou ele.
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