Martin Wolf
Temos uma má notícia e uma boa notícia. A má notícia é que a economia mundial está balançando à beira do que pode ser o mais danoso desaquecimento econômico desde a Segunda Guerra Mundial. As autoridades econômico-financeiras em todo o mundo - especialmente nos imensamente complacentes países superavitários - ainda não começaram a compreender o que isso pode significar. A boa notícia é que, após um período prolongado de sobrevalorização, os mercados acionários estão, afinal, com preços atraentes. Isso deveria ter implicações sedutoras para investidores e até mesmo para governos audaciosos.
Como medimos valor fundamental? Os gráficos mostram duas dessas medidas - "Q" e a "relação preço lucro ajustada em função do ciclo econômico" ("Cape", na sigla em inglês).
A primeira dessas medidas deriva do trabalho do falecido James Tobin, um economista agraciado com o Prêmio Nobel. "Q" é a relação entre a cotação de uma ação individual (ou do valor do mercado acionário como um todo) e o valor dos ativos líquidos a seu custo de reposição. Tobin originalmente propôs essa relação como uma recurso para explicar os investimentos. Andrew Smithers, da londrina Smithers & Co, de quem obtive os dados, percebeu que "Q" poderia ser considerado de modo inverso, para aquilatar o mercado acionário: assim, um "Q" elevado prevê não tanto um surto de investimentos mas uma queda do mercado acionário, e vice-versa. Se o mercado acionário avalia a cotação líqüida de uma companhia a muito mais do que o custo de recriação de seus ativos, então os ativos deveriam crescer ou a avaliação do mercado deveria decrescer. Na prática, argumenta Smithers, é mais provável que o mercado esteja errado do que sejam errôneas as decisões de investimento das companhias.
A segunda dessas mensurações tem sido usada, em especial, por Robert Shiller, da Universidade Yale. O denominador é uma média móvel dos lucros em dez anos e em termos reais. A finalidade desse ajuste é eliminar os efeitos cíclicos sobre os lucros que tornam as relações preço/lucro parecer baixas em picos cíclicos, quando os lucros ultrapassam níveis sustentáveis. Em períodos de rápido crescimento da alavancagem, como na década de 2000, os lucros não ajustados (em função do ciclo econômico) provavelmente revelam-se particularmente sem sentido, porque são intensamente vulneráveis a mudanças nas condições econômicas. A alavancagem, afinal de contas, funciona nos dois sentidos.
Esses dois indicadores deveriam, se corretamente mensurados, produzir resultados bastante semelhantes. O gráfico que mensura "Q" e a "Cape" - em relação à suas médias de longo prazo para os EUA -, revela que isso efetivamente acontece.
Assim, o que mostram as evidências? Concentrar-me-ei em cinco conclusões principais.
Em primeiro lugar, as cotações das ações revelam pronunciados ciclos de longo prazo. Não fazem um "passeio randômico". Mas esses ciclos são tão longos que é quase impossível para os investidores apostar com êxito contra eles: o dinheiro dos investidores acabaria antes que o ímpeto inercial dos mercados mudasse de idéia. É por isso que os mercados podem ser ineficientes e, ainda assim, os investidores privados não podem facilmente ganhar dinheiro apostando contra eles.
Em segundo lugar, o mercado assistiu três picos desde 1920: em 1929, 1965 e, o maior de todos, em 1999 (segundo o "Cape"). Mercados baixistas prolongados seguiram-se em todos os casos. Os picos foram, em outras palavras, maus momentos para "comprar e manter" - a estratégia recomendada nos anos 90.
Em terceiro lugar, o mercado também viu dois vales de mercado em baixa desde 1920: 1932 e 1981. Esses foram excelentes momentos para comprar ações. É proveitoso se os compradores são pacientes: os períodos de vale a subseqüente pico foram 33 e 18 anos, respectivamente.
Em quarto lugar, o mercado acionário americano está em baixa desde 2000, com dois trechos declinantes, 2000-2002 e de 2007 até agora. No primeiro trecho, o investimento empresarial permaneceu fraco, enquanto os preços das ações desabaram. No segundo trecho, as bolhas nos mercados de crédito e habitacional - em parte explicadas pela reação do Federal Reserve a esse esfriamento no investimento - implodiram. Essa história é normal: mercados em baixa geralmente coincidem com períodos de recessão (ver gráfico).
Finalmente, os valores atuais estão consideravelmente abaixo da média pela primeira vez desde 1988, em termos do "Cape" e, desde 1991, em termos também de "Q". Isso não significa que eles não possam cair ainda mais, e em condições desfavoráveis é mesmo provável que caiam. Mas, a menos que esperemos outra Grande Depressão e guerra mundial, a história sugere que os valores não permanecerão abaixo dos níveis atuais por mais do que, digamos, aproximadamente 15 anos. Isso pode não soar muito atraente. Mas é uma história diferente do que a que pessoas como Shiller e Smithers sustentavam nos idos de 1999, quando a história sugeria que as pessoas poderiam nunca ver tais valores novamente. Pessoas racionais comprariam agora, e não naquele momento. Pessoas racionais, lamentavelmente, são raras. Como Warren Buffett argumentou, compre quando o "Senhor Mercado" está assustado, não quando ele está ousado.
O valor médio do mercado acionário americano corresponde a um retorno real de 6,5% a 7%, o que significa um "prêmio de risco acionário" - uma margem de retorno sobre títulos do governo isentos de riscos - de aproximadamente quatro pontos percentuais. Isso há muito tempo parece elevado. Durante o grande mercado altista da década de 90, alguns analistas chegaram a argumentar que nenhum prêmio de tal ordem era justificado. Mas se alguém tem de perguntar por que acionistas deveriam ser avessos a riscos, basta olhar a história. Para os mortais (ao contrário do que vale para instituições imortais), o risco de ser apanhado num mercado em baixa (ou seja, um período de cotações abaixo da média) num prazo de 15 anos, como aconteceu de 1973 a 1988, é assustador. Qualquer pessoa hoje em vias de aposentar-se sabe disso.
Não há dados diretamente comparáveis disponíveis sobre outros mercados. Mas dados sobre cotações do mercado acionário em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) para o mundo como um todo, para a União Européia (UE) e para o Reino Unido desde 1980 exibem um padrão similar ao americano. A correlação entre mercados é tão próxima que o que se aplica aos EUA deve se aplicar ao resto do mundo. O Japão, porém, é diferente. O pico das cotações lá foi em 1990.
Eu tiro disso quatro conclusões. A primeira é que investidores com perspectivas alongadas (pessoas relativamente jovens ou instituições) estão, pela primeira vez em quase duas décadas, diante de cotações de mercado atraentes, embora não sensacionalmente sedutoras. A segunda é que existem, apesar disso, pressões formidáveis para quedas adicionais nas cotações, à medida que agentes alavancados continuam sendo forçados a desfazer-se de ativos a preços de banana. A terceira é que investidores que estão "pescando no fundo do poço" podem afinal começar a suprir o capital acionário de que as companhias - especialmente as companhias financeiras - necessitam, à medida que um piso para os preços dos ativos é finalmente estabelecido.
Finalmente, os governos poderiam sensatamente atuar como especuladores estabilizadores, como sugeriram John Muellbauer, da Universidade Oxford, e Michael Spence, da Universidade Stanford e um agraciado com o Prêmio Nobel, respectivamente, no Financial Times de ontem e no fórum dos economistas. Governos têm muito dinheiro e dispõem do horizonte de tempo necessário. Eles podem descarregar o que comprarem quando os mercados conseguirem sua recuperação. Em vista de o colapso dos mercados ter efeito auto-alimentador, esse tipo de iniciativas deverá também estabilizar a economia. Levando em conta as medidas inéditas tomadas nos últimos meses, essa já não parece uma medida de política governamental excessiva.
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