Luiz Carlos Mendonça de Barros
Chegamos ao último mês de 2008 com uma crescente sensação de incerteza e de medo dominando os mercados. Nas últimas semanas, mesmo as pequenas vitórias alcançadas recentemente pelos bancos centrais das maiores economias do mundo, parecem em perigo. Voltamos no tempo, com a especulação com as ações dos maiores bancos dos Estados Unidos de novo na ordem do dia. Da mesma forma, os prêmios de risco nos mercados de crédito privado, depois de um período de calma, estão em forte elevação novamente.
A crise financeira espalha-se como uma metástase, levando pânico aos mercados e arrastando em sua marcha as maiores economias do mundo. As revisões para baixo do crescimento em 2009 ocorrem com uma freqüência e intensidade assustadora. Na Europa, as pesquisas sobre a atividade industrial em novembro - os chamados PMI - apresentaram resultados decepcionantes. O PIB do espaço europeu deve cair mais de 2% (taxa anualizada) no último trimestre do ano. Nos Estados Unidos as informações mais recentes sobre o mercado de trabalho e a atividade industrial são catastróficas e o PIB pode cair até 5% no quarto trimestre. As projeções para a taxa de desemprego em 2009 já atingem a incrível cifra de 8,5%.
No mercado financeiro já há análises que contemplam o cenário de depressão econômica como uma possibilidade concreta. Especula-se sobre qual seria o papel das autoridades monetárias em uma situação como esta e a necessidade de uma articulação dos governos, muito mais forte do que a que foi desenhada no último encontro do G-20, fica mais nítida. A queda vigorosa dos juros dos papéis públicos no G-7 é a evidência que o mercado considera seriamente os riscos de economia em depressão. Os juros de intervenção do Banco Central devem ir a zero nos Estados Unidos e em outras economias desenvolvidas se este cenário vingar.
Outro sinal claro de que uma depressão passa a ser vista como possível é a queda das cotações do petróleo e de seus derivados. O mesmo ocorre com outras commodities importantes. No mesmo sentido, os últimos dados nos Estados Unidos parecem indicar que as empresas estão adotando uma política mais agressiva de redução de seus efetivos. Os números de inflação para os próximos meses devem caminhar certamente para o território negativo.
Estes são indicadores fortes na direção de uma mudança importante no grau da desaceleração econômica que se espalha pelo mundo. Sabemos que existe grande diferença entre uma recessão e uma depressão econômica. Em particular, a deflação de crédito leva a economia a sofrer descontinuidades, com oscilações grandes na produção e no emprego. O manual de sobrevivência a uma recessão normal é conhecido por muitos e já provado em vários momentos; no caso de uma espiral de deflação de crédito os ensinamentos e procedimentos conhecidos e testados são poucos e os resultados concretos - como no caso do Japão - decepcionantes.
Na hipótese de uma depressão o grau de articulação das políticas econômicas das maiores economias do mundo deve ser muito maior do que a atual. O receituário definido na última reunião do G-20 em Washington pode ser o ponto inicial para uma ação no caso de recessão econômica de proporções intermediárias. Mas certamente é muito pouco para enfrentar um cenário de depressão. Como sempre ocorre quando se tem necessidade de ações políticas dos governos, o risco hoje é disto ocorrer apenas quando for muito tarde.
As lições de 2008 são muito fortes. Não estaríamos vivendo o risco de uma depressão se o comportamento dos governos - principalmente a Casa Branca - tivesse sido diferente. Mesmo os bancos centrais sempre estiveram correndo atrás dos fatos. Não existem mais dúvidas de que a falência do banco de investimento Lehman Brothers foi o momento em que a crise bancária mudou de qualidade e intensidade.
Mas outros momentos de indecisão e leitura errada da crise ocorreram também. Cito a que mais me incomoda hoje: em março passado um grupo de membros da Câmara de Representantes dos Estados Unidos produziu uma proposta para diminuir o número de foreclosures (retomadas de casas com hipotecas inadimplentes) e estabilizar o mercado de hipotecas. O presidente Bush por razões ideológicas, com sua ameaça de veto, paralisou o processo de aprovação. Somente na próxima legislatura e com um novo presidente na Casa Branca é que se deve chegar a um bom termo nesta questão. Cabe aqui a expressão inglesa: Too Little Too Late.
Com o governo Bush paralisado e, com o presidente eleito Barack Obama ainda montando sua equipe de governo, viveremos nas próximas semanas um vazio de poder muito perigoso. A economia tem um tempo seu e deve passar por um período de desaceleração ainda maior até que a Casa Branca volte a liderar um processo de estabilização difícil e incerto. Fora dos Estados Unidos, passado o encontro do G-20, os governantes voltaram a lidar com seus problemas domésticos. Isto é muito assustador.
Tenho algumas referências para acompanhar esta possível transição de uma grave recessão econômica para uma verdadeira depressão. Um deles, de mais curto prazo, é o chamado CRB, índice que representa uma cesta das mais importantes commodities negociadas. Até o limite de 250 estaremos vivendo o cenário de recessão econômica cíclica. Se o CRB vier abaixo de 200 estaremos certamente cruzando a fronteira tão temida.
O que representam para o Brasil estes dois números de referência? Se o CRB se mantiver perto de 250 podemos esperar uma desaceleração de nosso crescimento para algo próximo a 2,5% em 2009, com o PIB voltando a crescer cerca de 4% em 2010. Mas se o CRB cair abaixo do número mágico de 200, o cenário para nossa economia será muito mais agressivo. O Brasil depende hoje de exportações de commodities para financiar um fluxo importante de importações, sem criar um déficit muito grande em suas contas externas. Com um colapso ainda maior de commodities seria necessária uma redução bastante significativa de nossas importações para que isto fosse conseguido. A solução deste quebra cabeça só seria possível com um crescimento inferior a 2%.
Quando escrevo esta coluna o CRB está a 232...
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