Gustavo Loyola
A reação das autoridades econômicas ao desembarque da crise no Brasil tem tido seus pontos altos e seus pontos baixos. Do lado negativo, ressalta-se a insistência de alguns integrantes do governo na defesa de uma política fiscal anticíclica como atitude preventiva à maior queda do PIB nos próximos meses. Se triunfar essa visão equivocada, o resultado será o aumento do risco macroeconômico e a piora das perspectivas de crescimento no médio prazo.
Os defensores do emprego de uma política fiscal anticíclica buscam inspiração no exemplo dos países desenvolvidos, a maioria dos quais já decididos na aplicação de estímulos fiscais de vários graus e naturezas, com o objetivo de amortecer as ondas de choque da crise financeira provocada a partir do estouro da bolha dos ativos hipotecários nos Estados Unidos.
Ocorre que as condições macroeconômicas brasileiras são bem distintas, o que desaconselha uma cópia pura e simples da reação das autoridades econômicas dos países desenvolvidos. A boa gestão da crise por parte do governo brasileiro exige políticas que levem em conta as condições específicas do país que, convém lembrar, é vítima da crise e não um dos seus autores.
Inicialmente, é necessário entender que a crise externa atual é sobretudo uma crise de confiança. O estouro da bolha dos ativos imobiliários nos EUA e as enormes perdas reconhecidas pelos principais bancos internacionais provocaram uma típica crise sistêmica cuja solução passa necessariamente pela intervenção dos governos para evitar a quebra em cascata de intermediários financeiros, cuja conseqüência seria catastrófica para as economias em questão. Daí a injeção massiva de recursos no mercado por parte do Fed, do Banco Central Europeu e de outros bancos centrais, com vistas a restaurar a liquidez. No mesmo sentido, a aquisição e o financiamento de ativos "podres", a capitalização de bancos por parte dos tesouros ou sua estatização pura e simples são medidas para restaurar a confiança dos agentes econômicos.
As ações acima elencadas têm evidentemente um custo fiscal elevado. Mas não devem ser encaradas como "políticas anticíclicas" no sentido usual da expressão. Não têm por objetivo a reativação da demanda agregada, pela expansão dos gastos do governo. São ações que, como vimos, orientam-se para circunscrever o pânico financeiro e evitar sua disseminação para o setor real. Se bem-sucedidas, é claro, tais medidas ajudam a preservar a atividade econômica, mas diferem muito de uma política dita "keynesiana".
Ocorre que os países desenvolvidos, em especial os EUA, não se detiveram apenas nessas intervenções nos mercados financeiros. Medidas fiscais diretas de incentivo à demanda agregada já foram adotadas ou se encontram em gestação, tanto redução de tributos quanto aumento da despesa pública. Como regra geral, os países que se candidatam a praticar políticas fiscais dessa natureza dispõem de condições favoráveis para financiá-las, seja pela existência de suficiente poupança doméstica, seja pela capacidade de atrair poupanças externas. Mesmo assim, tais políticas podem não ter a eficácia desejada, até porque, quando implementadas via aumento dos gastos públicos, provocam o chamado efeito de "crowding-out", que corresponde a uma redução no investimento e de outros componentes da despesa agregada sensíveis às taxas de juros.
Com relação ao Brasil, a crise externa nos atinge por dois vetores distintos. O primeiro deles, via queda da demanda externa, que reduz nossas exportações e acarreta um choque desfavorável aos termos de troca da economia brasileira. O segundo, via retração do crédito e aumento da aversão ao risco, que leva ao aumento da saída líquida de capitais e à redução do crédito externo para as empresas brasileiras. A partir desses vetores, a crise se propaga internamente principalmente pela deterioração das expectativas dos agentes econômicos e pela redução da liquidez e do crédito no mercado financeiro doméstico.
Diante desse quadro, as medidas já adotadas para restaurar a liquidez nos mercados financeiros e evitar que se instaurasse uma crise aberta de confiança foram positivas. O governo, por meio do Banco Central, agiu de maneira pronta para irrigar o mercado financeiro e evitar que a redução de liquidez pudesse comprometer a higidez do sistema. A liberação dos depósitos compulsórios, por exemplo, foi uma medida correta, assim como são positivas as ações para aumentar a oferta de crédito em moeda estrangeira, via leilões de linhas.
Porém, haveria equívoco se o governo "complementasse" tal atuação no mercado financeiro com medidas de aumento do déficit público. Por um lado, o Brasil não possui poupança doméstica suficiente para enveredar no caminho de aumentos adicionais da despoupança do setor público, pois isso representaria maior demanda de poupança externa (conta corrente mais deficitária) e um brutal efeito de "crowding-out" que deprimiria ainda mais o investimento privado. Por outro lado, a situação estrutural das contas públicas no Brasil, embora tenha melhorado nos últimos anos, continua abaixo dos padrões ideais, o que limita o espaço para expansões conjunturais da despesa. Nesse sentido, é de se mencionar a rigidez do gasto - a maior parte inadministrável no curto prazo, o perfil da dívida pública interna e, não menos importante, a trajetória recente de elevação dos gastos de custeio.
Desse modo, caso tentasse imitar o primeiro mundo com medidas fiscais "anticíclicas", o Brasil somente colheria mais tempestade, em vez de atenuar os efeitos da crise externa. A taxa de câmbio se depreciaria ainda mais - o que exigiria juros domésticos mais elevados para evitar pressões inflacionárias adicionais - além de se correr o risco de piora da percepção externa sobre os fundamentos macroeconômicos do país, o que poderia implicar aumento dos prêmios de risco para as empresas e o governo brasileiro. Muito melhor seria continuar mostrando ao mundo que temos uma política fiscal responsável, o que traria uma recuperação mais rápida da economia brasileira.
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