9 de Junho de 2008 - A inflação está se disseminando de forma mais intensa na economia. Os alimentos continuam como principal foco de alta dos custo de vida, mas não são os únicos com preços em trajetória de aceleração. Com a demanda interna aquecida, o ambiente ficou mais favorável para repasses dos aumentos de insumos ao varejo. Analistas, no entanto, acreditam que haverá um arrefecimento no segundo semestre que manterá a taxa abaixo do teto da meta de 6,5% estabelecida pelo governo
Pressionada mais uma vez pela elevação dos preços do alimentos, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que será divulgado na quarta-feira, deve registrar uma nova aceleração em maio para a maior parte dos analistas. A expectativa é de uma variação entre 0,50% e 0,67%, ante variação de 0,55% apurada em abril. Arroz, com elevação de 15%, e carnes bovinas, que devem apresentar elevação de 3%, devem ser os destaques de alta mensal, segundo Luis Fernando Azevedo, da Rosenberg Consultores Associados.
Mas a recente aceleração dos núcleos de inflação mostra que alta de preços não já está restrita apenas aos alimentos. De fevereiro para março, essas medidas usadas para filtrar choques temporários e indicar a tendência de preços estavam "bem comportadas". Em abril, registraram forte elevação e colaram na inflação cheia. "Os núcleos estão mostrando aceleração e preocupam", afirma a economista do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), Maria Andreia Parente.
De acordo com a especialista, todos os indicadores de núcleo do IPCA calculados pelo instituto subiram em abril. O núcleo Ipea - que reduz a contribuição dos itens com maior variação e aumenta o peso daqueles com taxas constantes - passou de 0,3% para 0,55% de um mês para outro, a mesma elevação do indicador cheio em abril. A alta representa uma inflação em doze meses de 4,5%, o centro da meta perseguida pelo governo. "Em janeiro de 2007, essa taxa era de 2,5%. Em 15 meses, houve um acréscimo de 2 pontos percentuais", comenta a economista do Ipea.
Azevedo, da Rosenberg, afirma ainda que o País passou a importar inflação da China. Segundo o economista, os preços dos produtos comercializáveis estão em alta, mesmo excluindo os alimentos. Incluindo os itens alimentícios, eles subiram 6,14% em doze meses até abril, ante variação de 3,12% em junho do ano passado, e podem chegar a 7% em maio. Sem alimentos, os demais produtos comercializáveis acumulavam alta de 1,57% em meados de 2007, passaram para 2,73% até abril e devem encerrar maio em 3%, nas projeções da consultoria. "O único alívio à inflação vem de administrados, com a manobra do governo para conter repasses do reajuste da gasolina e a energia. O resto vem contaminado", diz.
"Não é apenas uma pressão localizada", concorda Gian Barbosa, da Tendências Consultoria Integrada. O economista cita ainda o aumento dos custos de serviços, cuja taxa acumulada em doze meses chegou a 5,52% segundo o IPCA-15 de maio. Há um ano, a variação foi de 4,95%. Segundo ele, o índice de difusão também apresentou piora, passando de 60,70% para 67,20% em um mês. "Há uma pressão importante de alimentos, mas outros indicadores mostram outras pressões".
Pressões para uma alta mais generalizada de preços não faltam nos próximos meses. Os IGPs, medidos pela Fundação Getulio Vargas (FGV), registraram forte alta no mês passado, impulsionada pela elevação de custos no atacado. O Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) subiu 1,61%, com a alta de 2% no atacado impulsionada pelo aumento de custos de metais, minério de ferro, arroz e adubos. Os preços dos agropecuários apresentaram elevação de 2,29% e dos industriais 1,91%. "Esses aumentos no atacado devem chegar no varejo, embora em menor escala", disse a economista do Ipea.
Para Azevedo, o produtor tem hoje mais margem para repasses de custos. Na sua avaliação, antigamente, a concorrência com os importados segurava possíveis altas de fabricantes locais, como por exemplo no setor de vestuários. "Com já há uma alta de fora e a demanda está aquecida, o produtor tem mais margem para repasses", afirma.
Para César Fukushima, da Gouvêa de Souza & MD, o volume de crédito está aumentando e os prazos cada vez mais longos criam uma força que puxa a inflação. "As pessoas estão consumindo absurdamente", afirma. Segundo Fukushima, a pressão sobre os núcleos da inflação deve manter a inércia de alta e a medida tomada pelo Banco Central de elevar a taxa Selic em 0,5 ponto percentual deve demorar pelo menos 6 meses para surtir efeito.
Para o Bradesco, a alta das matérias primas não está sendo incorporada aos preços ao consumidor, mas isso vai mudar nos próximos meses. A autoridade monetária deverá permanecer vigilante ao longo do ano e haverá algum desconforto com a inflação durante ao longo do ano, avalia o departamento de economia do banco.
O ponto de inflexão da inflação ainda não está evidente no horizonte de curto e médio prazos na avaliação do banco, que prevê uma elevação de 0,60% do IPCA em maio e projeta uma taxa de 5,30% para 2008.
As projeções da RC Consultores são mais otimistas. Para maio, inclusive, a consultoria espera desaceleração do IPCA para 0,50% e a inflação medida pelo indicador fique em 5% no ano. Fábio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores, afirma que ocorreu uma puxada forte nos preços no final do ano e no começo de 2008. Esta aceleração das commodities agrícolas, não agrícolas e principalmente do preço do petróleo, se estendeu até março. "A onda vinha se formando lá fora", afirmou Silveira. No período de fevereiro a abril, quando as indústrias começaram a comprar matérias primas a preços majorados, a alta começou a ser captada pelos Índice de Preços ao Consumidor (IPC) e Índice Geral de Preços (IGP). "Estamos vivendo este período de índices gordos", comenta Silveira.
Vários preços do mercado internacional começaram a se estabilizar e alguns deles até a cair, segundo Silveira. Isto ocorre com a açúcar e soja e alguns metais, no comparativo com março." A onda atingiu o trimestre e agora começa a ocorrer um esfriamento", analisa o sócio-diretor da RC Consultores. De acordo com as estimativas de Silveira, a partir de julho, poderá ser notado um arrefecimento nos preços. "O cenário é mais favorável no segundo semestre", avalia.
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 5)(Ana Carolina Saito e Jaime Soares de Assis)
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