PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
ANTES DE entrar no assunto de hoje, quero contar que um leitor me escreveu dizendo: "Costumo ler os seus artigos porque não encontro frases como a seguinte". E tascou uma frase do meu artigo daquele dia: "O investimento é ao mesmo tempo um componente da demanda e a variável da qual depende a ampliação da oferta agregada ao longo do tempo". Terrível. Fiquei acabrunhado com o espelho que o leitor me ofereceu. Espero não incorrer no mesmo erro hoje.
Até que ponto é grave a inflação que estamos experimentando em 2008? O brasileiro já estava até se acostumando com certa estabilidade monetária. Cabe reagir com dureza e jogar a economia na recessão? É o caso de continuar aumentando os juros e correr o risco de derrubar o crescimento econômico?
Bem. A preocupação com a alta dos preços se justifica, não há dúvida. A taxa de inflação medida pelo IPCA subiu para 5,6% nos 12 meses até maio. A inflação relevante para os mais pobres aumentou mais, uma vez que a alta recente vem sendo comandada pelos alimentos, que pesam no orçamento das famílias de baixa renda.
Conviria, diga-se de passagem, corrigir o Bolsa Família não pelo IPCA ou mesmo pelo INPC, mas por um índice que refletisse a estrutura de gastos da população pobre. Isso é melhor do que dar subsídios generalizados retardando os reajustes de preços controlados ou monitorados. É preciso colocar o problema da inflação brasileira em perspectiva.
Neste momento, a inflação está subindo em quase todos os países. O rápido aumento dos alimentos, do petróleo e de outras matérias-primas é o maior choque de preços na economia mundial desde a década de 1970. A inflação aumentou em 40 das 42 principais economias do mundo.
A inflação brasileira não é alta para padrões internacionais. Está apenas um pouco acima da inflação nos EUA (4,2%) e na zona do euro (3,7%). É mais baixa do que a que se observa na grande maioria dos países em desenvolvimento. Entre os principais países de mercado emergente, só o México e a Coréia do Sul registram inflações inferiores à brasileira.
Fez-se muito barulho em torno do fato de que a inflação ultrapassou o centro da meta oficial em 2008, que é de 4,5%. Não se pode perder de vista, entretanto, que o regime brasileiro de metas para a inflação tem alguma flexibilidade, que foi sabiamente preservada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), contrariando algumas opiniões domésticas (setores do BC e do mercado) e estrangeiras (FMI). A inflação continua abaixo do teto da meta, que é de 6,5%.
Em junho de 2007, logo antes do início do choque de preços externos, havia quem preferisse reduzir o centro da meta de inflação para 4% em 2009 e o intervalo de tolerância de 2 pontos percentuais para 1,5 ponto para cima e para baixo do centro da meta. Prevaleceu a decisão de preservar a flexibilidade, o que veio a calhar dada a intensidade do choque externo de preços desde o segundo semestre de 2007.
A propósito, o CMN terá de fixar até o fim deste mês a meta e o intervalo de tolerância para 2010. Espero que um acesso de "machismo monetário" não leve o CMN a aceitar, desta vez, sugestões de diminuição da meta e do intervalo. Nas circunstâncias atuais, é mais razoável manter a meta em 4,5% e o intervalo em 2 pontos.
Dos países que adotam o regime de metas, o Brasil é um dos poucos que estão conseguindo cumprir a meta. Na grande maioria, a inflação ultrapassou o teto fixado, em alguns casos por larga margem.
Em resumo, a inflação brasileira requer cuidados, mas não há motivos para pânico ou reações radicais da política monetária.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. , 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
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