Cristiane Perini Lucchesi
Os juros dos títulos do Tesouro americano nunca estiveram tão baixos em toda a sua história. As taxas dos papéis de vencimento em dois anos foram ontem a 0,98% ao ano, de cinco anos, a 1,90%, e de 30 anos, a 3,49% ao ano. Os títulos de vencimento em dez anos também apresentaram queda forte nos rendimentos, de 9,18% só ontem, para 3,02% ao ano, seu menor nível desde que começaram a ser emitidos, segundo a "Bloomberg". A procura pelos papéis cresce de forma tão desordenada no que já pode ser identificado como a nova bolha especulativa deste momento de desalavancagem. Os investidores de todo o mundo desmontam posições de risco - ações, papéis de rendimento alto e moedas de juros altos, como o real - e correm para comprar títulos do Tesouro dos EUA. O movimento se intensificou ontem, após a ata do Fed, banco central americano, divulgada anteontem, sinalizar que os juros básicos dos EUA dos chamados fed funds terão mais cortes. Integrantes do Fed disseram que "um afrouxamento monetário mais agressivo poderia reduzir os riscos de uma deflação".
Desde meados do ano passado, o Fed cortou os juros básicos americanos em 4,25 pontos percentuais, para 1% ao ano. Isso significa taxas de juros reais (descontada a inflação) já negativas em níveis de no mínimo 3%, segundo o "Financial Times", ou de 4%, segundo a consultoria econômica Uptrend. Na Inglaterra, que vai continuar a cortar também seus juros básicos, as taxas reais estão negativas em 1,5%, de acordo com o "Financial Times", ou 0,7%, de acordo com a Uptrend. No entanto, à medida que os números sobre a atividade econômica nos EUA, Europa e Japão surpreendem mais negativamente, a aversão ao risco continua a crescer e a clássica "preferência pela liquidez" se torna mais aguda. Os investidores preferem os juros negativos a assumir risco. Ontem, os dados sobre pedidos de novos benefícios de auxílio desemprego nos Estados Unidos surpreenderam: o número da semana passada atingiu o recorde de 16 anos. O Conference Board informou que seu índice sinalizador da atividade econômica caiu 0,8% em outubro, mais do que o 0,6% esperado pelos analistas pesquisados pela "Thomson Reuters".
A recessão pior do que a esperada nos países ricos aumenta os temores da necessidade de mais baixas contábeis nos bancos e seguradoras, que já declararam como perdas US$ 1 trilhão em ativos. O Citigroup, por exemplo, que já foi o maior banco do mundo é muito exposto ao financiamento ao consumo nos Estados Unidos, tem visto suas ações despencaram. Ontem, caíram 26%, para baixo de US$ 5, o menor nível em 13 anos, segundo a "Bloomberg". As ações do JPMorgan caíram 18% e do Goldman Sachs, 5,8%. Também foram destaque de queda as ações das montadoras americanas, que ainda não conseguiram seu socorro. Os democratas decidiram adiar a votação da ajuda de US$ 25 bilhões e pediram um plano de recuperação para as empresas. O índice S&P das 500 ações mais negociadas em Nova York caiu 6,7%, para o menor nível desde 97.
Risco-Brasil explode
Nesse cenário internacional de juros reais negativos ou próximos a zero e queda forte nos preços dos commodities - o preço do petróleo para janeiro foi para baixo de US$ 50 o barril, menor nível em três anos -, o Brasil continua o líder mundial em taxas reais, que são de 7,9% ao ano, segundo levantamento da Uptrend. São justamente esses juros elevados que atraíram os investidores que montavam operações financiadas em iene e investidas em reais, ficando com o risco cambial, o chamado "carry trade". Essas transações continuam a ser desmontadas em massa, derrubando o valor do real, que está a R$ 2,39, e valorizando o iene para o maior nível em três anos. No ano, a moeda japonesa teve alta de 16,35% em relação ao dólar e de 35,65% em relação ao euro.
A decisão do Equador, de não pagar sua dívida externa após auditoria ter identificado, segundo o governo, irregularidades, ajudou a puxar para cima os prêmios de risco dos títulos da dívida dos países emergentes. Ontem, o risco-Brasil medido pelo swap de crédito (Credit Default Swap) de vencimento em cinco anos foi a 446,4 pontos básicos, uma alta de 5,53%. Desde que a Lehman Brothers entrou em concordata e a crise de crédito internacional se agravou, o risco-Brasil subiu 187%. Seu pico foi de 600,8 pontos básicos em 23 de outubro. No Brasil, os mercados no Rio e São Paulo ficaram fechados ontem com o feriado da Consciência Negra.
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