Paulo Sternick
Freud dizia que é necessário grande soma de aprendizado intelectual como pré-requisito para acreditar no acaso. Povos primitivos e sem instrução, e certamente também as crianças, por exemplo, conseguem atribuir um motivo para tudo o que ocorre. Eu não diria que convém operar com a categoria do acaso no mercado. Mas é crucial o respeito pelo desconhecido e o obscuro.
Analistas e "players", porém, se parecem às vezes com os primitivos e as crianças, atribuindo causa para tudo o que acontece. Em dias de realização de lucro, após fortes altas, não raro se explica o fato devido a indícios de recessão, como se ela fosse novidade e já não estivesse no preço dos ativos. Em pregões onde temos tudo para esperar fortes quedas, a bolsa misteriosamente sobe e a justificativa é a de que tudo já foi colocado no preço e as ações estavam baratas demais. O mercado tem razões que nem sempre se conhece - e bons guarda-costas que o protegem da revelação de suas verdades.
O risco de se atribuir um motivo imediato às subidas e descidas das bolsas é que as correlações se convertam em uma causa encobridora - aquela que, inadvertidamente, passa a esconder a razão verdadeira. Às vezes, tudo se parece como se um pressuposto, uma mentalidade grupal, tomasse as rédeas dos pregões e ficasse avessa a indícios inversos à sua inclinação: só leva em conta o que é estímulo ou ração para sua tendência. Neste mercado, onde categorias como racionalidade ou bom senso deveriam passar ao largo, às vezes é o contrário do que parece: não são os indícios que provocam os movimentos de alta ou de baixa. Eles é que se valem daqueles para justificar sua prévia inclinação. Tudo isto esclarece por que, às vezes, há um descolamento não só entre fatos e pregões, mas entre gráficos e fundamentos ou entre o indivíduo lógico e o grupo irracional.
A formulação psicológica que leva em conta a existência de pressuposto ou mentalidade grupal nas sessões dos pregões não pode ignorar, sob pena de pecar por ingenuidade, os fortes movimentos subjacentes, e não tão visíveis, que por vezes lhe dão suporte, seja na baixa, seja na alta. Por exemplo, a desova de grande quantidade de ações por parte dos fundos hedge ou bancos de investimentos por causa de intensos resgates em situações especiais. Há ainda a compra maciça de ações por corretoras que operam a serviço de capitais chineses previamente informados do plano de investimento governamental. Porém, nem sempre há registros destas sustentações.
Não raro, motivações alegadas, como indícios de recessão ou queda de preço de commodities chegam a se converter em velha moeda surrada usada tantas vezes quanto necessária para dar suporte a angustias coletivas indistinguíveis de movimentos de realizações de lucro ou derrubada de cotações a serviço de futuras compras maciças.
Todos estes fatores - de difícil controle até para operadores profissionais diante da complexidade e diversidade do mercado globalizado e autônomo - recomendam atitude de abertura do campo de percepção para dar conta de forças que podem operar fora do espectro de visibilidade. Os gráficos sequer poderão indicar movimento instável e imprevisto sob pena de incorrer em grave mistificação: será um melancólico destino para uma disciplina que se arroga sob o título de "análise técnica". A postura que se requer para dar conta do mercado tal como se expressa no século XXI não invalida as contribuições fundamentalistas e técnicas, mas indica um passo adiante para lidar com estes instrumentos. A saber, um respeito por fatores imprevistos e desconhecidos e uma amplitude de percepção que abra espaço ao mistério e ao não saber.
A ampliação e sofisticação do campo, assim proposta, contradiz com o varejo simplista de operadores que funcionam quase exclusivamente com antolhos grafistas ou sintonizados na Bolsa de Nova York. Para entender, basta olhar a formação do bando de pássaros voando em sincronia nos céus: quem dita as cotações da bolsa brasileira com muita freqüência é a oscilação da bolsa americana. Haveria o argumento de que isto só acontece com as "blue chips", mas a verdade é que, com ou sem fundamento, as demais ações são estritamente dependentes do índice determinado pelas "blue chips".
Operar é como os pássaros. Faz sentido, então, as palavras de Jim O´Neill, chefe do departamento de pesquisas econômicas da Goldman Sachs e criador da sigla Bric: "Talvez fosse bom para o Brasil se os investidores locais participassem mais da bolsa em vez de investir tanto em títulos públicos". O fortalecimento do mercado acionário brasileiro o deixaria menos exposto a especulações estrangeiras que mal conhecem nossas empresas e seus múltiplos.
Paulo Sternick é psicanalista e estudioso de psicologia econômica
E-mail: psternick@rjnet.com.br
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