Martin Wolf
Será este o momento apropriado para os britânicos engolirem o seu orgulho, admitirem que cometeram um erro e rogarem para ingressar na zona do euro? Um número crescente de pessoas sustenta que sim. Elas estão equivocadas.
O motivo para ter uma taxa de câmbio flutuante é que ele deve flutuar. Num mundo inconstante, uma economia necessita ter mecanismos de ajuste. A taxa de câmbio é o mais poderoso destes mecanismos. Apenas economias excepcionalmente flexíveis ou excepcionalmente abertas lidam bem com choques de vulto sem nenhuma flexibilidade na taxa de câmbio.
O Reino Unido sofre agora de forma relativamente grave (e, portanto, "assimetricamente") de seis grandes choques negativos. Primeiro, o Reino Unido está experimentando uma queda veloz nos preços das moradias, que aparentemente deverá se manter por um longo tempo.
Segundo, as famílias do Reino Unido mantêm níveis elevados de endividamento. De acordo com a Comissão Européia, apenas Dinamarca e Irlanda possuem níveis mais elevados de endividamento em relação à renda disponível bruta das famílias, dentro da União Européia, apesar de Espanha, Portugal e Suécia estarem próximas.
Terceiro, a crise do crédito causou perdas ao setor financeiro e, portanto, prejudicou a oferta de crédito de forma extremamente grave.
Quarto, o Reino Unido depende profundamente do setor financeiro, agora em retração, para a oferta de postos de trabalho bem remunerados.
Quinto, o Reino Unido também dependeu da atividade financeira para financiar um déficit na balança comercial de 6,4% do PIB em 2007.
Com lucros mais elevados sobre ativos estrangeiros do que pagamentos sobre obrigações, o Reino Unido até se assemelha a um enorme fundo de hedge.
Finalmente, o Reino Unido passou da condição de grande exportador líquido de petróleo e gás a grande importador líquido: nesta década, a oscilação no comércio efetivo com petróleo foi de aproximadamente 1% do PIB.
Contra esse terrível pano de fundo, o Reino Unido deve, em última instância, poupar mais, e sua conta corrente deve ficar superavitária. Para atingir este objetivo, é preciso que ocorra uma grande depreciação real na taxa de câmbio. Isto pode ser conseguido através de um longo período de queda nos salários nominais e nos preços de bens e serviços não-comercializáveis ou por meio de uma queda na libra esterlina. Felizmente, esta última produziu o que é necessário.
A queda na libra esterlina não é o problema - é a solução. A questão se resume em saber se ela já não foi longe demais. Eu argumentaria com veemência que não. No mês passado, a taxa de câmbio real calculada pelo J.P. Morgan esteve próxima à parte inferior do intervalo de variação dos últimos 30 anos. Agora ela deve estar ligeiramente abaixo. Entretanto, ainda está bem acima dos níveis alcançados antes de o Reino Unido ter se tornado um grande produtor de petróleo. A queda da libra esterlina é inconveniente para muitos que acreditaram que o valor da moeda entre 1997 e 2007 estava "normal". Ele jamais pareceu sustentável.
O argumento contra esta posição, aventado por Willem Buiter em seu blog em FT.com, é que aconteceria uma corrida calamitosa contra a libra esterlina. Poderia até ficar impossível trocar libras contra qualquer outra moeda. Se aprendemos algo nos 15 meses passados, foi que quase tudo é possível. Em 1997, a rúpia indonésia chegou a cair 84% ante o dólar dos EUA. Mas isto seguramente só aconteceria se a solvência do Estado estivesse em dúvida.
Meu colega Wolfgang Munchau acrescenta que os membros da zona do euro poderão repatriar atividades financeiras e convocar reuniões de cúpula para elaboração de políticas, das quais o Reino Unido seria excluído.
Permita-me admitir que a posição do distrito financeiro de Londres poderá ser prejudicada por desdobramentos regulatórios, ainda que prognósticos semelhantes já tenham comprovado ser sistematicamente falsos anteriormente. Ainda que isso procedesse, porém, porque a filiação à zona do euro impediria essa mudança e, mais importante, porque os britânicos deveriam se importar a esse ponto? Uma decisão tão fundamental como a do regime cambial não deve ser feita com base nos interesses do setor financeiro, que gera apenas aproximadamente 8% do PIB do Reino Unido (com o distrito financeiro contribuindo com apenas 3%). Quanto às reuniões de cúpula da zona do euro, deixe que sigam em frente e deixem Gordon Brown ficar feliz.
Isso mantém dois argumentos poderosos, ambos enfatizados pelo professor Buiter. O primeiro é que o Banco da Inglaterra não pode atuar com segurança como um emprestador de última instância em relação ao setor financeiro. Parece-me que ele está confundindo o setor financeiro como um entreposto para atividades de paraísos fiscais com as atividades globais de instituições sediadas no Reino Unido. Instituições estrangeiras que atuam em Londres podem recorrer aos seus bancos centrais de origem. Os bancos baseados no Reino Unido também conseguiram tirar proveito das atividades de emprestadores de última instância de outros bancos centrais ou de linhas de swap adiantadas para o Banco da Inglaterra. Na prática, portanto, esse argumento não parece muito impressionante.
As implicações fiscais das garantias explícitas e implícitas oferecidas aos bancos britânicos com balanços patrimoniais somados de cerca de cinco vezes o PIB parecem muito mais importantes. A adesão à zona do euro, porém, nada faria para limitar os riscos de uma moratória nacional resultante de um colapso do sistema bancário baseado no sistema britânico. A zona do euro não é, afinal, explicitamente uma união fiscal. Isso explica porque os indícios de solvência fiscal declinante são agora evidentes numa série de países membros da zona do euro. De fato, Grécia, Itália, Irlanda, Portugal e Espanha possuem spreads de taxas de juros mais elevados em relação aos títulos alemães de dez anos do que o Reino Unido. O spread deste último encolheu ainda mais desde o começo da crise. Reiterando, enquanto os preços dos swaps de crédito de fato aumentaram ante os títulos britânicos, o mesmo se aplica mais ainda a vários países membros da zona do euro. A taxa de juros real dos títulos britânicos atrelados a índices é ainda de apenas 1,5%. Se, como alegam algumas pessoas, o Reino Unido tiver de pagar um ágio devido à incerteza cambial, ele é quase invisível por enquanto.
Minha conclusão é que as circunstâncias extremas atuais tornaram a defesa da manutenção da flexibilidade da taxa de câmbio, como um lubrificante para ajuste, não mais fraca, mas mais poderosa. Estou satisfeito com o fato de o governo do Reino Unido não precisar dizer às pessoas que uma década de estagnação poderá ser necessária para reduzir os custos aos níveis agora necessários para a competitividade externa.
Concordo, porém, que a solvência fiscal do Reino Unido não pode mais ser considerada um fato consumado. Duas providências são necessárias neste momento.
Primeiro, as autoridades britânicas precisam se movimentar rápida e brutalmente para separar o sistema bancário baseado no Reino Unido em um serviço doméstico que podem garantir e em um componente internacional que não podem garantir. É especialmente importante colocar todas as atividades que geram exposição a empresas internacionais de grande porte firmemente fora do serviço garantido.
Segundo, algo deve ser feito sobre a terrível posição fiscal que Brown permitiu que se desenvolvesse quando foi ministro das Finanças. Isto foi arriscado e perigoso, nas circunstâncias atuais. Esta não é uma defesa primordial contra um incentivo fiscal de curto prazo. Mas eu avaliarei o relatório que precede o orçamento a ser publicado na próxima semana pela medida em que ele estabelecer uma rota confiável rumo à redução do endividamento ante o PIB. O Reino Unido está extremamente mais exposto fiscalmente do que deveria. A adesão à zona do euro não ajudará. Isto meramente significa que o país precisará socorrer a si mesmo.
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