Londres, 5 de Agosto de 2008 - Os 65 dias que mergulharam o Brasil num mercado baixista estão recordando os investidores de que o país, a maior economia da América Latina, ainda é uma nação emergente. Roberto Egydio Setúbal, do Banco Itaú, diz que o Brasil se transformou depois de sua inflação ter caído para 6,1%, comparativamente aos 6.800% de abril de 1990, e após o país ter recebido sua primeira classificação recomendável para investimento das agências de risco. Mark Mobius, da Templeton Asset Management, não está convencido disso, num momento em que as taxas de juros brasileiras sobem ao ritmo mais acelerado do mundo dentre os países em desenvolvimento e os investidores estrangeiros vendem ações como nunca.
"Não se pode dizer que o país mudou", disse Mobius, 71, que administra cerca de US$ 40 bilhões em ações de mercados emergentes na Templeton de Cingapura. "A experiência do país em gastos governamentais responsáveis e orçamentos equilibrados é relativamente curta. A inflação era alta. Todos temos de ficar muito atentos com a possibilidade de essas coisas acontecerem de novo".
O Índice Bovespa, de 66 ações, que obtém quase metade de seu valor das produtoras de energia e matérias-primas, despencou 22% em relação ao seu recorde, alcançado em maio, num momento em que o Banco Central aumentou as taxas de juros em junho e julho, o déficit em conta corrente se ampliou para sua maior alta de todos os tempos e o crescimento da economia desacelerou. A taxa básica Selic saltou para 13% em julho, a partir dos 11,25% de abril.
A venda maciça de ações desbancou o Brasil da posição de mercado de melhor desempenho entre os 20 maiores este ano e marcou a 13 queda de 20% ou mais da Bovespa desde 1997, segundo dados reunidos pela Bloomberg e pela Birinyi Associates, a administradora de recursos sediada no Estado norte-americano de Connecticut, fundada por Laszlo Birinyi.
A Bovespa, que subiu 15% até seu pico de 20 de maio, registra agora uma queda de 9,8% em 2008. As oferta públicas iniciais (OPIs) de ações estancaram depois que a maioria das ofertas recorde de 2007 caíram para níveis inferiores aos seus preços de estréia.
A Templeton está entre as várias empresas que ficaram menos otimistas com relação ao Brasil, fator que puxou as vendas líquidas da parte dos investidores externos para seu maior nível já registrado. As vendas líquidas dos investidores estrangeiros totalizaram R$ 7,4 bilhões (US$ 4,7 bilhões) tanto em junho quanto em julho, segundo revelam dados reunidos pela BM&F Bovespa, a terceira maior bolsa mundial.
"Se as commodities não se saírem bem, o Brasil não vai se sair bem", disse Nicholas Morse, diretor, lotado em Londres, de ações latino-americanos na Schroders, que gerencia US$ 260 bilhões em âmbito mundial.
O país "deveria registrar crescimento maior caso fosse capaz de levantar e dizer este é um novo Brasil, de levantar junto com a China e a Índia", disse ele.
O Brasil já se transformou, segundo Setúbal, o principal executivo do Itaú. O executivo disse em maio que o Brasil rompeu com seu histórico de 185 anos de surtos de inflação galopante e de colapso da economia e está criando as melhores condições de negócios jamais vistas.
"As perspectivas para as empresas aqui instaladas continuam sendo muito positivas a médio prazo, com oportunidades em todos os setores de atividade", disse Setúbal na semana passada. "Não há motivos para deixar de ser otimista com o Brasil", afirmou.
Os otimistas com relação ao Brasil da BlackRock e da F&C Management estão convencidos de que a economia brasileira de US$ 1,07 trilhão, que cresceu 5,4% em 2007, menos que a metade da taxa de expansão da China, é capaz de enfrentar bem uma desaceleração.
O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresceu por todos os anos desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o poder, em janeiro de 2007. Seu governo reduziu o déficit público a 1,9% do PIB, o menor do último período de pelo menos 11 anos, e ajudou a transformar o país num credor líquido pela primeira vez.
O Brasil, que deixou de honrar sua dívida externa por duas vezes nos últimos 25 anos e que desvalorizou sua moeda em 1999, recebeu sua primeira classificação recomendável para investimento da Standard & Poor’s em 30 de abril deste ano.
Embora a inflação brasileira esteja se acelerando ao ritmo mais rápido do último período de mais de dois anos, a taxa de 6,1% computada em junho correspondeu a menos de metade do nível de cinco anos atrás. A Petrobras, dona da maior descoberta de petróleo do Hemisfério Ocidental dos últimos 30 anos, e a Companhia Vale do Rio Doce, a maior produtora de minério de ferro do mundo, estão entre as 100 maiores empresas do mundo, segundo dados reunidos pela Bloomberg.
"O Brasil ainda é um destaque, do ponto de vista de valorização, do ponto de vista do crescimento", disse William Landers, que administra o US$ 1 bilhão do fundo mundial de mercados emergentes da BlackRock, em entrevista em Nova York. O fundo, que caiu 17% desde que o Índice Bovespa subiu para um nível recorde, tem cerca de 20% de seus ativos investidos em ações brasileiras. O percentual representa alta em relação aos 18% no último dia 30 de junho, segundo o site da empresa.
Urban Larson, administrador de fundos da F&C Management de Londres, está comprando ações de bancos e concessionárias de serviços públicos brasileiras levado pela expectativa de que os gastos do consumidor vão proteger a economia de qualquer possível desaceleração das exportações de commodities. "A esfera doméstica da economia (brasileira) revela considerável impulso", disse Larson, cuja empresa gere cerca de US$ 200 bilhões."O Brasil mudou. Os números macro estão melhores do que há várias décadas".
A dependência brasileira das exportações de minério de ferro, aço e petróleo tornou sua bolsa mais vulnerável ao enfraquecimento da demanda por commodities, num momento de desaceleração do crescimento mundial, segundo Adrian Mowat, lotado em Hong Kong, estrategista-chefe do JPMorgan para a Ásia e mercados emergentes. O Índice Reuters/Jefferies CRB Commodity caiu 10% no mês passado, sua maior retração desde março de 1980.
Mowat mudou a recomendação das ações brasileiras para "reduzir exposição" em relação a "neutra" em junho e orientou os investidores, na semana passada, a diminuir as carteiras em ativos do setor de energia, incluindo a Petrobras. As ações da Petrobras cederam 31% depois de a empresa ter ultrapassado a Microsoft, em maio, como a sexta maior do mundo. A Vale está inclinada a registrar sua maior queda de uma década. "Comparados a um ano atrás, os problemas do Brasil se agravaram", disse Morse, da Schroders. "Sem dúvida, houve uma melhoria de grandes proporções desde a década de 1970 e de 1980. Mas, mais uma vez, o mundo inteiro mudou".
Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Bloomberg News
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