Em 1896, o autor inglês E. E. Williams intitulou um ensaio "Made in Germany" porque quando começou a escrevê-lo notou que, para seu horror, o lápis que usava tinha sido produzido na Alemanha. Em 1885, o ministro prussiano Robert von Puttkamer ordenou a expulsão dos trabalhadores imigrantes poloneses. Os países toleram mal as ameaças da globalização - seja na forma de investimentos estrangeiros, da competição de importados, da imigração de trabalhadores.
O capitalismo passa por sua segunda onda de liberalismo e globalização. A primeira foi no século XIX, quando os fluxos de capital, produtos e migrantes, devidamente normalizados pelo "tamanho" da economia e da população, atingiram patamares iguais ou maiores que nos anos recentes. Mas nem a visão liberal, nem a globalização, duraram muito. A crise das primeiras décadas do Século XX foi o pano de fundo para uma forte reação aos dois movimentos. A resposta veio na forma de proteção do mercado nacional, restrição ao fluxo de capitais e fechamento das fronteiras aos imigrantes, além da introdução de uma série de políticas de proteção social.
A competição gera insegurança e instabilidade. A regulação dos mercados (de capitais, de bens e serviços e de trabalho) produz segurança e estabilidade. O mundo do pós 1ª Guerra tornou-se pós-liberal.
O engessamento dos mercados e a segurança da regulação, porém, reduzem os incentivos à inovação, à eficiência e ao crescimento da produtividade. Em resposta aos efeitos do desemprego e da estagnação dos anos 1970 e 80, através de vários movimentos - intelectuais, empresariais e político -, houve uma volta do liberalismo e da globalização. O mundo dos anos 1990 em diante é neoliberal.
Mas a harmonia internacional dos últimos anos está dando lugar a conflitos que brotam da emergência dos novos atores - os produtores de petróleo, os trabalhadores chineses e indianos, os fundos de investimento soberanos. O que acontece agora, segundo o jornalista Fareed Zakaria, é que estamos em uma fase essencialmente pós-americana em que o resto do mundo tem relevância cada vez maior. Não é exatamente verdade que "a história acabou" (Fukuyama) nem que "o mundo é plano" (Friedman). E os EUA não estão cômodos com esse novo contexto.
Na década de 90, houve um debate importante sobre as causas da estagnação dos salários dos trabalhadores menos educados e a piora da distribuição de renda nos EUA. De um lado estavam os que acreditavam no impacto da competição dos bens importados de países periféricos. De outro, os que argumentavam que a adoção de novas tecnologias era a responsável, já que elas aumentavam o valor relativo dos trabalhadores mais educados. Apesar do apelo político do primeiro argumento, nos meios acadêmicos venceu o segundo devido à pequena importância relativa dos bens importados.
Paul Krugman foi o principal defensor do argumento de que a tecnologia era a responsável pela estagnação dos salários. Ele venceu o debate. Mas em um recente artigo publicado no New York Times, ele mudou suas convicções: "Quando os efeitos das exportações do Terceiro Mundo sobre os salários nos EUA se tornaram uma questão, alguns economistas - eu inclusive - olharam os dados e concluíram que os efeitos sobre os salários nos EUA eram modestos. O problema agora é que esses efeitos podem não ser mais modestos como eram, porque as importações de manufaturados do Terceiro Mundo cresceram dramaticamente - de apenas 2,5% do PIB em 1990 para 6% em 2006".
Krugman não é o único liberal americano preocupado com os efeitos da competição dos importados. Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro, escreveu no Financial Times que "há razões para pensar que o sucesso econômico no exterior será mais problemático para os trabalhadores americanos no futuro. Primeiro, os países em desenvolvimento cada vez mais exportam bens como computadores, que os EUA produzem em escala significativa, colocando pressão sobre os salários. Segundo, o crescimento de países como a China aumenta a competição por recursos como energia e o meio ambiente, aumentando o preço para os americanos. Terceiro, e mais fundamental, o crescimento da economia global encoraja o desenvolvimento de elites sem Estado ( 'stateless elites') cujo compromisso é com o sucesso econômico global e sua própria prosperidade, em vez dos interesses na nação onde estão suas matrizes".
Summers não está convencido de que a globalização é boa para os EUA e de que o que é bom para a Ford é bom para os americanos. "A razão mais importante para duvidar que uma economia global integrada e crescentemente bem-sucedida beneficiará os trabalhadores americanos é o enfraquecimento da relação entre o sucesso dos trabalhadores de um país e o sucesso de seus parceiros comerciais e de suas empresas. A situação é diferente quando em uma economia aberta, onde investimento em inovação, marcas, uma forte cultura corporativa, ou mesmo certos tipos de equipamentos, podem ser combinados com trabalhadores de qualquer lugar do mundo".
Neo-protecionismo! Krugman e Summers são luminares do liberalismo - foram professores de algumas gerações de policy makers mundo afora, artífices da globalização. "Então, estou argumentando a favor de protecionismo?", pergunta-se Krugman. "Não", é a sua resposta. Mas sua visão é que globalização não é boa para todos. E tanto ele quanto Summers parecem convencidos de que pode ser muito ruim para dezenas de milhões de americanos.
O que propõem então? Propõem a ampliação da rede de proteção social nos EUA - saúde pública universal, por exemplo - para lidar com os mais vulneráveis ao ataque estrangeiro e padronização dos standards tributários e trabalhistas no mundo. Não deixa de ser uma revisão social-democrata. Se levada a cabo, como se viu no pós-Guerra, pode ter repercussões importantes para países como China, Brasil e Índia.
O que de fato vai ocorrer, ninguém sabe. Mas chama atenção que os autores dos melhores textos sobre liberalismo se mostrem tão preocupados com o bem-estar dos americanos quando o mundo abraçou seus ensinamentos. Fossem eles políticos, não surpreenderia. Sendo eles intelectuais e ideólogos, chama muita atenção.
Edward Amadeo
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