Alguns acreditam que a desaceleração da economia americana, com consequências significativas para o mundo, é hoje o principal problema e, para saná-lo, o mais sensato seria o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) reduzir a taxa de juros. Já outros defendem que a pressão inflacionária é muito mais preocupante e, portanto, o melhor seria o Fed aumentar os juros. Nesse cabo-de-guerra, o BC americano decidiu ontem não agradar ninguém por completo, ficando no meio do caminho, com a taxa de juros mantida em 2% ao ano. O resultado não poderia ter sido melhor. Com essa estratégia em cima do muro, o Fed sinalizou que está preocupado com a desaceleração da economia, mas também com a inflação, agradando a Gregos e Troianos. Os mercados, que já estavam subindo de manhã, aceleraram as altas após a decisão e a divulgação do comunicado depois da reunião. O Índice Bovespa fechou em alta de 1,55%, aos 56.470 pontos.
O economista-chefe da corretora Ágora, Álvaro Bandeira, é do grupo dos que acreditam que, com essa decisão, o Fed demonstrou ao mercado que a sua prioridade é fazer com que a desaceleração não degringole para uma recessão, o que, para ele, é uma estratégia acertada. "Não adianta domar a inflação se a atividade econômica global cair em desgraça, já com a economia mundial entrando nos eixos, os bancos centrais terão tranqüilidade para colocar a inflação no lugar certo." Ele lembra que a curva de juros futuros aponta que as expectativas são de manutenção da taxa pelo menos até outubro.
Em alguma medida, o movimento de queda das commodities nos últimos dias facilitou a decisão do Fed de não elevar os juros para conter a inflação, já que a desvalorização desses ativos serve para arrefecer a pressão de preços ao menos em parte. Bandeira lembra que o recente processo de alta do dólar ante outras moedas também é outra pitada na queda das commodities. "Os 'hedge funds', que passaram os últimos meses montando posições em commodities para fugir da queda do dólar, estão agora fazendo o contrário, desmontando as compras nesses ativos e apostando na apreciação da moeda americana", afirma Bandeira.
Se a queda das commodities é benéfica para a economia mundial, já que breca a sanha inflacionária, conseqüentemente é também benéfica para os mercados. Mas a Bovespa não goza dessa situação. Como a bolsa brasileira é concentrada em papéis de commodities, tende a acompanhar os solavancos desses ativos.
Não é à toa que os papéis de algumas companhias amargam perdas importantes. Só neste mês, em três pregões, as preferenciais (PN, sem voto) série A da Vale caem 11,77% e as PNs da Petrobras, 10,31%. Não há bolsa que resista à queda dessa magnitude de duas empresas que representam 30% de seu principal índice. Ontem foi mais um dia de baixa para as matérias-primas. O contrato de petróleo do tipo WTI de maior liquidez fechou a US$ 119,17 em queda de 1,84%.
Um para cada lado
As ações preferenciais da Gol subiram ontem nada menos que 16,18%, disparada, a maior alta do Ibovespa, seguidas pelas PNs da TAM, subindo 7,21%. Na visão dos analistas, a valorização desses papéis tem tudo a ver com a queda do petróleo, que é um dos custos mais pesados dentro do balanço das companhias aéreas. Desde o segundo semestre do ano passado, quando o petróleo passou a subir de forma acentuada, as ações das duas companhias engataram uma tendência de queda. Sem dúvida, as ações da Gol são as que mais sofrem, com perda de 56,05% só este ano. Mesmo que a queda do petróleo seja algo consistente, os analistas ainda têm um pé atrás com essas ações. "Confesso que é muito difícil defender a compra desses papéis, especialmente os da Gol, que deve vir com um resultado horroroso referente ao segundo trimestre, com queda de receita, margem operacional negativa e explosão nos custos", diz o gerente de renda variável da Modal Asset Management, Eduardo Roche.
Daniele Camba
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