Por Alessandra Bellotto, de São Paulo
No momento em que as aplicações de renda fixa saltam aos olhos do investidor como um refúgio contra as fortes turbulências do mercado financeiro, uma modalidade em especial se destaca. São os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs), que ainda perdem em popularidade para as demais alternativas, mas oferecem retornos para lá de competitivos. Depois de alguns meses na "geladeira" por conta da crise global, as ofertas de fundos de recebíveis - como também são chamados - começam a voltar ao mercado com uma expectativa de remuneração na casa dos 112% do CDI, juro interbancário usado como referência para os investimentos mais conservadores.
O ciclo de alta da taxa básica de juro iniciado em abril já era motivo para deixar a aplicação mais atraente, já que a grande maioria tem sua remuneração atrelada ao CDI. A isso somou-se o aumento da aversão ao risco em decorrência da crise imobiliária americana, que criou uma pressão adicional para a elevação das taxas. Não que esses fundos tivessem alguma exposição aos títulos lastreados nas hipotecas de alto risco dos EUA. O impacto foi indireto, pela restrição de crédito global que levou os bancos brasileiros a aumentarem o retorno pago nas emissões de Certificados de Depósito Bancários (CDBs) para captar recursos.
"As taxas dos FIDCs estavam se acomodando na casa dos 108% do CDI para emissões classificadas como triplo A (baixíssimo risco), mas tiveram de se ajustar aos prêmios mais altos dos CDBs depois da crise das hipotecas", conta Ricardo Pires, sócio da consultoria PR&A, especializada em ativos alternativos. E isso sem alterar, necessariamente, o risco da operação, uma vez que os fundos de recebíveis continuam lançando mão de mecanismos de proteção para montar a estrutura e, assim, atrair investidores mais conservadores.
O momento é especialmente interessante para aplicações em fundos de recebíveis por conta do mercado ruim para bolsa e multimercados, diz o gestor de carteiras da Verax Serviços Financeiros Pedro Lérias. "Quando o ambiente era de estabilidade, os investidores menosprezaram o risco de mercado (possibilidade de perda com oscilações nas taxas de câmbio, bolsa, juros etc), e a diversificação em ativos de crédito ficou prejudicada", destaca. Os multimercados vinham preenchendo esse papel, com retornos de 140% do CDI, lembra o gestor.
Hoje, com o risco de mercado mais perceptível - basta olhar para a bolsa brasileira, que acumula perdas superiores a 11% no ano -, o investidor começa a entender que a diversificação em risco de crédito faz todo o sentido, acrescenta Lérias. Já Pires, da PR&A, adverte que os FIDCs não podem ser encarados como a salvação para os prejuízos com bolsa e multimercados. "O investidor tem de ter cautela e entender bem o risco da aplicação, mas há boas oportunidades no mercado", ressalta o consultor.
As ofertas de FIDCs registradas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já somam R$ 6,4 bilhões neste ano e há mais R$ 2,2 bilhões em análise - em 2007, o volume total foi de R$ 9,9 bilhões. Nesta semana, o Banco Daycoval deu início à distribuição das cotas seniores da primeira série do fundo de recebíveis Daycoval Veículos, lastreado em contratos de financiamentos de carros feitos pelo banco. A oferta, que soma R$ 300 milhões e tem aplicação mínima de R$ 25 mil, possui como meta uma rentabilidade de 113% do CDI, um retorno bastante atraente levando-se em conta que a operação foi classificada pela agência de risco Standard & Poor's (S&P) com o rating "brAAAf", o nível mais elevado.
Segundo a S&P, o rating atribuído ao fundo indica que a estrutura, os mecanismos de reforço de qualidade de crédito, bem como a qualidade dos ativos que compõem a carteira fornecem proteção "extremamente forte" contra perdas por inadimplência em diferentes cenários de estresse. O Daycoval, originador dos ativos do fundo, é classificado pela mesma S&P com o rating "A" na escala nacional. "Os FIDCs, em geral, têm avaliação melhor do que a dos originadores dos recebíveis", destaca Pires.
A possibilidade de segregar o risco associado ao originador (como a falência) é o grande mote do FIDC, ressalta Henrique Ferreira, diretor de produtos estruturados do HSBC. Mas não é só isso. Entre os vários mecanismos de proteção, o mais usado é a subordinação de cotas. Além da cota sênior, que é distribuída ao investidor e tem preferência no recebimento da remuneração, o fundo emite uma classe de cotas denominada subordinada (que corresponde a cerca de 20% do volume total), que geralmente fica com a empresa ou o banco que cedeu os recebíveis e funciona como um colchão de proteção. Isso porque elas só têm ganhos depois das cotas seniores e são as primeiras a absorverem prejuízos com calotes. Nessa dinâmica, a qualidade dos ativos é essencial e pode ser medida, por exemplo, com base no histórico de inadimplência.
Pires destaca que, mais importante do que a subordinação, são as regras de recomposição das cotas subordinadas para o caso de elas caírem abaixo do nível estabelecido na oferta. Começam a surgir também fundos com uma terceira classe de cotas, conhecida como mezanino, uma espécie de misto de cota sênior com subordinada - como elas são mais arriscadas que a sênior, têm uma remuneração melhor.
Outro mecanismo de mitigação de risco é o "excesso de spread", que está ligado à taxa de desconto aplicada na aquisição dos ativos pelo fundo. Conforme explica Lérias, da Verax, essa taxa tem de ser mais do que suficiente para remunerar o investidor da cota sênior e cobrir os custos administrativos da carteira. Quanto maior o spread, maior a garantia para o investidor, já que sobrará mais gordura para cobrir eventuais perdas. O fundo do Daycoval, segundo informa Pires, tem uma taxa de desconto equivalente a 175% do DI futuro (o prazo depende do fluxo de pagamento dos recebíveis), para a meta de rentabilidade de 113% do CDI.
O consultor da PR&A ressalta que é usual os fundos usarem como referencial para a taxa de desconto o CDI do dia da aquisição dos recebíveis, o que torna o ativo prefixado. Em momentos de alta de juros, isso pode se tornar um risco adicional porque a remuneração do investidor é variável. Há ainda fundos que contam com seguro performance - para a situação de prestação futura do serviço, como no caso da construção imobiliária e de empresas de energia e água - e aqueles que elegem recebíveis além do necessário para trocas caso haja problemas com algum ativo.
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