Antonio Delfim Netto
O gráfico abaixo mostra o crescimento anual do Produto Interno Bruto americano nos últimos 20 anos (1989-2008). Nele estão registrados dois períodos recessivos anteriores (1990/91 e 2001) e o que estamos vivendo.
Eles podem, grosseiramente, ser caracterizados pelos números ao lado.
As três crises são de natureza diferente, mas em todas elas verifica-se o mesmo comportamento do setor real da economia (queda do crescimento do PIB e aumento da taxa de desemprego) e do setor financeiro (queda do valor dos ativos nas bolsas), seguidos de uma redução da taxa de inflação.
Uma questão interessante é que até hoje os economistas, usando sofisticados métodos econométricos, ainda não chegaram a um acordo sobre as causas da recessão de 1990/1991. Uns a atribuem a um "choque" no consumo, explicado (talvez!) pela queda de "confiança" produzida pela invasão do Kuait pelo Iraque e pelo aumento do preço do petróleo; outros a "choques" tecnológicos não adequadamente explicados...
A crise de 2001 está claramente ligada à explosão da "bolha" produzida pela enganação da "Nova Economia". De acordo com tal "moda", o desenvolvimento da tecnologia de informação teria aumentado dramaticamente a produtividade e terminado com a ligação entre o preço dos ativos na bolsa e os seus "fundamentais". A "velha economia" mostrou que estava viva quando se descobriram as patifarias envolvidas na falência da Enron , pedida em novembro de 2001. Em dois anos (depois de um aumento anual de 25%) a bolsa americana perdeu 60% do seu "valor virtual"!
Quando se verificou que os dez maiores fundos de pensão americanos tinham mais da metade de seus recursos aplicados em ações das suas próprias empresas, algumas com "governança" duvidosa, o Congresso aprovou às pressas em 2002 a Lei Sarbanes-Oxley, que mais aumentou os custos dos controles do que regulou suas operações. Ela foi sendo cuidadosamente desmontada no governo Bush. Na opinião do secretário do Tesouro Paulson, nomeado em 2006, o excesso de regulação estaria prejudicando a eficiência do sistema financeiro. É preciso lembrar que dez anos antes (no governo Clinton), o presidente do FED, Alan Greenspan e o secretário do Tesouro Robert Rubin (sucedido por Lawrence Summers) haviam convencido o Congresso americano dos graves inconvenientes, para o funcionamento eficiente dos mercados, do estabelecimento de qualquer restrição sobre a criatividade do sistema financeiro.
Graças a isso, a política econômica para o enfrentamento da crise de 2001 restringiu-se à redução da taxa de juros e ao estímulo aos investimentos no setor imobiliário. Os dois levados longe demais: a primeira, combinada com a fantástica imaginação do sistema financeiro de "inventar" novos produtos (incompreensíveis até para os bancos centrais que deveriam fiscalizar suas conseqüências), produziu um excesso de liquidez, que financiou o endividamento que até 2007 ajudou a expandir a economia mundial (da qual o Brasil também se beneficiou). A segunda, com a idéia generosa de dar habitação aos cidadãos de menor renda, plantou a crise do "subprime".
Quando tudo isso for estudado com cuidado e seriedade vamos descobrir que estamos vivendo apenas a continuação da crise de 2001, enfrentada equivocadamente com uma política econômica de "empurrá-la com a barriga". Forneceu liquidez a taxas de juros inadequadas e estimulou investimentos com objetivos generosos, mas cujas taxas de retorno eram insustentáveis, porque exigiam aumentos continuados dos preços das casas.
A crise que hoje vivemos transcende à economia. Não será resolvida pela continuação da política econômica de fornecer mais liquidez e estimular mais investimentos enquanto não for restabelecida a confiança entre os cidadãos. Este é o fator catalítico que torna possível a própria sociedade e o seu bom funcionamento. O sistema econômico e financeiro no Brasil está em condições melhores do que esteve no passado e, provavelmente, melhor do que a maioria dos países emergentes. Aqui a sociedade confia no governo numa proporção maior do que em todos eles. É isso que nos dá a oportunidade de enfrentar a crise com custos relativamente menores. É preciso, entretanto, entender o problema. Cada um (pessoa física ou instituição) deve moderar sua busca de liquidez e ajudar a manter o "circuito econômico" funcionando. E o governo deve manter a liquidez, cortar os gastos de custeio e acelerar os de investimento. É isso que melhorará as expectativas dos consumidores, investidores e banqueiros e ajudará a por em marcha o setor real.
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