Martin Wolf
Os bancos centrais poderão em breve recorrer às suas mais poderosas armas contra a deflação: impressão de dinheiro e seu "lançamento de helicópteros". É uma situação para a qual Ben Bernanke, o presidente do Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA), está preparado há muito tempo. Será que esse armamento funcionará? Indubitavelmente, sim: utilizado impiedosamente, eliminará a deflação. Mas um retorno posterior à normalidade revelar-se-á bem mais elusivo.
Bernanke pronunciou um célebre discurso sobre o tema em novembro de 2002, quando ainda era diretor regional do Fed. O discurso aconteceu logo depois do estouro da bolha no mercado acionário americano, em 2000. As autoridades econômico-financeiras então temiam que os EUA poderiam em breve imitar o Japão, entrando num período de deflação persistente, com quedas no nível geral de preços.
Entretanto, Bernanke, à época, insistiu "que a chance de deflação significativa nos EUA num futuro previsível é extremamente pequena". Ele enfatizou "a vitalidade de nosso sistema financeiro: apesar dos choques adversos do ano passado, nosso sistema bancário permanece saudável e bem regulamentado, e os balanços patrimoniais de empresas e famílias estão, em sua maior parte, em boa forma". As palavras "orgulho" e "queda" vêm à mente. Seis anos e uma bolha de crédito habitacional depois, o presidente Bernanke deve estar mais mais triste e mais sábio.
A posição de Bernanke era também de que "a melhor maneira de solucionar um problema é, para início de conversa, não se deixar apanhar por ele". O temor de que a reversão das expectativas deflacionárias revele-se difícil explica porque o Fed reduziu sua taxa oficial de juros tão rapidamente desde a irrupção da crise, em agosto de 2007.
Será realista a probabilidade de deflação? Medidas do núcleo da inflação sugerem fortemente que não. Mas uma medida de inflação esperada - o diferencial entre rendimentos sobre os títulos do Tesouro americano convencionais e os corrigidos por índices sofreram um colapso, caindo para 14 pontos-base. Além disso, os rendimentos sobre bônus do Tesouro dos EUA com maturação em 10 anos já estão onde estavam os do Japão em 1996, seis anos após o início da crise nesse país.
Por que, então, deveriam os bancos centrais temer a deflação? Em primeiro lugar, a deflação torna impossível, para a política monetária convencional, implementar taxas de juro reais negativas. Quanto mais rápida a deflação, maiores serão os juros reais. Em segundo lugar, conforme explicado pelo grande economista americano Irving Fisher na década de 1930, a "deflação da dívida" - elevação real do valor do endividamento à medida que os preços caem - torna-se então uma ameaça letal. Nos EUA, cujo endividamento bruto do setor privado disparou de 118% do PIB em 1978 para 290% em 2008, a deflação do endividamento poderia deflagrar uma espiral descendente de falência em massa, queda da demanda e deflação adicional.
O Fed já adotou uma série de ações heterodoxas para impedir o naufrágio da economia. Em 10 de dezembro, o balanço patrimonial do Fed tinha chegado a US$ 2,245 trilhões, tendo dado um salto de US$ 124 bilhões no curso de uma semana e de US$ 1,378 trilhão ao longo de um ano. O Fed detinha uma ampla diversidade de papéis do governo e privados, compreendendo US$ 476 bilhões em títulos do Tesouro dos EUA, US$ 448 bilhões em "term auction credit", US$ 312 bilhões em crédito de curto prazo e US$ 233 bilhões em "outros empréstimos", valor que inclui US$ 57 bilhões de crédito apenas para a AIG. Se a tendência prosseguir, o Fed poderá tornar-se o maior banco do mundo.
Estará o Fed sujeito a alguma restrição? Em verdade, não. Como demonstrou Robert Mugabe, qualquer pessoa pode mandar imprimir dinheiro. Depois que os juros chegam a zero, o Fed pode promover um alívio monetário bem maior. Com efeito, o Fed pode criar dinheiro sem limites. Imagine o que aconteceria se um alquimista conseguisse transformar chumbo em ouro, a custo zero. O ouro não valeria grande coisa. Os bancos centrais podem criar infinitas quantidades de dinheiro a custo zero. Por isso, podem reduzir seu valor a nada sem dificuldades. Curar deflação é moleza, quando se trata de "moeda fiduciária" - um sistema monetário artificial.
Então, o que poderiam os bancos centrais fazer? Poderiam baixar as taxas de juro de longo prazo adquirindo tantos bônus governamentais de longo prazo quanto quiserem, ou prometendo manter os juros de curto prazo baixos por um período prolongado. Poderiam conceder empréstimos diretamente ao setor privado. Na realidade, poderiam adquirir qualquer ativo privado por qualquer preço e em qualquer quantidade que decidissem. Poderiam também comprar ativos em moeda estrangeira. E poderiam financiar o governo em qualquer escala que julgassem necessário.
Alternativamente, as autoridades fiscais podem incorrer em déficits do tamanho que desejarem, e depois os financiarem com emissões de papéis de curto prazo que o banco central teria de adquirir para manter os juros baixos. Na fronteira do juro nulo, as políticas fiscal e monetária tornam-se una. O direito exclusivo do Banco Central de praticar política monetária evapora. Mas o reverso é também verdadeiro: o Banco Central pode dar dinheiro para cada cidadão. Isso seria o equivalente a "lançar dinheiro de helicópteros", medida proposta pelo falecido Milton Friedman e recentemente discutida por Eric Lonergan no fórum de economistas do FT.
Nesse ponto, seria o caso de indagar por que o Japão enfrentou dificuldades com a deflação durante tanto tempo. Quase não tenho idéia. Mas a explicação parece ser que o BC do Japão não quis tomar medidas tão drásticas e o Ministério das Finanças não ousou impor a idéia. Essa auto-contenção não deterá as autoridades americanas.
Assim, será que o Fed submergirá o mundo em dólares, em conseqüência do que teremos condições de despertar do pesadelo? Como demonstra Willem Buiter em recente blog, "Confessions of a Crass Keynesian", a resposta é "não".
Depois que a inflação retornar, o Banco Central necessitará vender ativos no mercado para enxugar o excesso de dinheiro por ele criado no combate à deflação. Analogamente, o governo precisa reduzir seu déficit a um tamanho que possa financiar no mercado. Do contrário, as expectativas deflacionárias poderão rapidamente transformar-se em expectativas de inflação acima da meta. Isso pode também acontecer se a dívida vendida durante os esforços para esterilizar o excedente monetário for considerada além da capacidade governamental de arcar com o serviço de tal dívida.
Países desprovidos de uma moeda confiável poderão atingir esse ponto mais cedo. Assim que um banco central aludir a um "alívio quantitativo", os agentes poderão fugir da moeda. Isso é particularmente provável quando países arcam com o ônus de um enorme excesso de endividamento doméstico e externo. Os credores sabem que um surto de inflação solucionaria muitos problemas nos EUA e no Reino Unido. Os EUA podem administrar o risco de ressurgentes expectativas inflacionárias. O Reino Unido provavelmente encontrará mais dificuldades para isso. Evitar deflação é fácil; obter estabilidade depois será bem mais difícil.
Ironicamente, estamos onde estamos, em parte, porque o Fed estava tão apavorado diante de possível deflação, seis anos atrás. Agora, uma bolha de crédito mais tarde, Bernanke tem de enfrentar o que então temia, em larga medida devido às heróicas tentativas preventivas do Fed. Riscos similares agora surgem diante das medidas drásticas que parecem cada vez mais prováveis. Desta vez, desconfio, o resultado, em última instância, não será deflação, mas inflação inesperadamente elevada, embora provavelmente daqui a muitos anos.
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