Após ter investido bilhões de dólares para salvar os bancos de Wall Street, chegou a hora de o governo americano tentar salvar a indústria automotiva de Detroit. O plano que foi aprovado pela Câmara dos Representantes dos Estados Unidos ainda está sujeito ao voto do Senado e à oposição de vários republicanos. A demora na aprovação deste investimento governamental no setor decorre do fato de as três grandes montadoras americanas, General Motors (GM), Ford e Chrysler, não andarem com muita popularidade ultimamente nos Estados Unidos.
Além de fabricarem carros que não mais atraem o consumidor, que prefere os modelos asiáticos e europeus, essas montadoras apresentam estratégias bem menos competitivas do que as de seus principais concorrentes estrangeiros, inclusive aqueles com fábricas nos Estados Unidos, como BMW, Honda, Nissan e Toyota. Estas montadoras estão em sua maioria instaladas nos Estados do Sul (mais republicanos), o que também explica, em parte, o menor interesse dos membros do Congresso desses Estados em apoiar as montadoras de Michigan, onde estão sediadas GM, Ford e Chrysler.
Preocupados com os custos astronômicos dos empréstimos e investimentos recentemente concedidos aos bancos, o governo, o Congresso e o público americano têm reagido com pouca empatia aos apelos de socorro das três grandes montadoras de Detroit. É verdade que as aparições dos executivos das três companhias em jatos particulares para as audiências públicas e televisionadas do Congresso em Washington, juntamente com a falta de um plano minimamente viável de reestruturação das empresas, não foi a maneira mais elegante de estender o prato e de pedir bilhões de dólares em assistência ao já esgotado Tio Sam.
Não foram poucos os analistas que anunciaram em público preferir a falência das montadoras ao gasto de bilhões de dólares de dinheiro público sem nenhuma perspectiva viável de reestruturação das empresas. Os ambientalistas também se queixam, com justa razão, que se for para investir em um "Plano Marshall" para a indústria automotiva, que pelo menos os esforços sirvam para dar um impulso à pesquisa e ao desenvolvimento de novas tecnologias que tornariam o país menos dependente do petróleo importado do Oriente Médio.
Por outro lado, fica a impressão de que seria no mínimo injusto o governo ter investido centenas de bilhões de dólares de dinheiro público para salvar bancos de Wall Street envolvidos com operações financeiras que eles mesmos muitas vezes não entendiam, e ao mesmo tempo deixar que as montadoras de Detroit quebrem, o que acarretaria em perdas adicionais de milhões de empregos adicionais no país. Sem mencionar que ninguém quer ser responsável por uma outra megafalência ao estilo Lehman Brothers, cuja falta de assistência do governo, supostamente por não apresentar "riscos sistêmicos" ao mercado, foi o primeiro dominó que, ao cair, derrubou todos os outros com mais força.
O pacote aprovado na Câmara, que ainda depende da boa vontade do pouco entusiasta Senado, prevê empréstimos ou linhas de créditos para a GM e a Chrysler de US$ 14 bilhões, em troca de participação do governo nas empresas. A Ford informou ainda dispor de dinheiro em caixa, mas pediu uma linha de crédito preventiva de US$ 9 bilhões. O plano prevê a criação de um chamado "czar do automóvel", que seria uma autoridade designada pelo governo (o conceituado Paul Volker, ex-presidente da Federal Reserve e um dos principais conselheiros do presidente eleito Barack Obama, seria por enquanto o mais cotado) para controlar os fundos e acompanhar a reforma do setor, inclusive com direito a veto com relação a investimentos das empresas acima de um valor determinado. O projeto ainda proíbe que as empresas paguem bonificações a seus executivos ou dividendos aos acionistas enquanto estiveram em debito com o governo.
É neste quadro que, depois de ter parcialmente estatizado grande parte dos bancos de Wall Street, o governo americano se prepara, muito a contragosto, para intervir na sua indústria automotiva que já foi, até pelo tamanho de seus carros e pelo pioneirismo das fábricas da Ford em um passado não tão remoto, o símbolo do sucesso, da prosperidade e da engenhosidade do sonho americano. Se o Senado não agir antes do recesso de fim de ano, não há garantias de que a GM e a Chrysler possam esperar até a posse do futuro presidente no dia 20 de janeiro.
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