Rolf Kuntz
A crise atingiu o Tesouro, derrubou a arrecadação e impôs ao governo mais um problema. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está arriscado a trabalhar, por algum tempo, sem a segurança de um cofre alimentado, todo mês, por um volume crescente de impostos e contribuições. Aperto fiscal, até agora, foi apenas força de expressão. Durante quatro anos a receita subiu sem parar, proporcionando recursos para despesas cada vez maiores e para um razoável superávit primário. Até agora, a primeira e única adversidade importante havia sido a própria crise. Gestada no mundo rico, o governo brasileiro só a reconheceu publicamente como um perigo com muitos meses de atraso. Em Brasília, gente do governo só começou a admitir a hipótese de uma recessão muito recentemente.
Em novembro, a receita do governo federal foi 16,7% menor que a de outubro e 1,8% inferior à de um ano antes. No mesmo dia a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) informou o fechamento de 34 mil vagas no mês passado. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou projeções para 2009 bem piores que as do governo federal. Essas projeções incluem um crescimento econômico de apenas 2,4% e o risco de redução do produto em dois trimestres consecutivos, o atual e o próximo. Se isso for confirmado, o Brasil será mais um país em recessão, de acordo com a convenção aceita por muitos economistas.
Diante do esfriamento evidente da economia, o primeiro ensaio de um ajuste fiscal partiu não do Executivo, mas, surpreendentemente, da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional. Com mais justiça, é preciso atribuir a iniciativa ao senador Delcídio Amaral (PT-MS), relator-geral do projeto de Orçamento federal. Na versão final do projeto, ele cortou R$ 6,1 bilhões da receita prevista inicialmente pelo Executivo e R$ 15,3 bilhões da projeção inflada pela própria Comissão.
O resultado final não chega a ser uma demonstração de austeridade monástica, mas é uma novidade até espantosa, quando se considera a tradição brasileira. Os últimos cálculos foram baseados na hipótese de uma expansão econômica de 3,5%, maior que a projetada pela CNI, mas bem menor que a indicada na versão original da proposta orçamentária, de 4,5%. Mesmo diante do inegável agravamento da crise, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reafirma a intenção de trabalhar por um crescimento de 4% em 2009.
Se relaxar a meta de superávit primário - o dinheiro poupado para os juros - a dívida pública provavelmente aumentará e será necessária, mais tarde, uma correção de rumo. Essa correção dificilmente será realizada em ano de eleição. O ministro Mantega e o presidente Lula têm prometido manter ou intensificar os investimentos públicos e, em caso de necessidade, cortar o custeio. Para investir mais o governo precisaria elevar sua capacidade gerencial. Mas é difícil acreditar numa redução do custeio. O item principal, a folha de salários e de encargos sociais, já está inflado pelos aumentos concedidos neste ano. A revisão da proposta orçamentária preparada pelo senador Delcídio Amaral inclui um corte de apenas R$ 400 milhões nesse item, com a suspensão de contratações. O dispêndio total com folha e encargos deve cair de R$ 169,2 bilhões para R$ 168,8 bilhões. Restará cortar outras despesas correntes, mas, para não causar danos maiores à economia, o governo precisará separar claramente os gastos necessários e os supérfluos. O ensinamento da experiência é claro: o desperdício tende a continuar, enquanto despesas produtivas, como as da assistência à agricultura, são podadas.
Haverá o risco, também, de uma piora considerável das contas externas, se o governo quiser estimular o crescimento apenas com estímulos ao mercado interno. Nas projeções da CNI, o superávit comercial cai de US$ 24 bilhões para US$ 15 bilhões e o déficit em conta corrente sobe de US$ 29 bilhões para US$ 30 bilhões. Mas o pressuposto desses números é um crescimento econômico de 2,4%. Com uma expansão dessa ordem, as importações cairão de US$ 174 bilhões para US$ 155 bilhões. Se o aumento do Produto Interno Bruto ficar na faixa de 3,5% a 4%, as importações cairão menos, se caírem, e o buraco na conta corrente será bem maior. Isso não bastará para criar uma crise cambial a curto prazo, mas o País se tornará bem mais vulnerável, especialmente se o lado fiscal também se deteriorar. O governo, enfim, continua atrasado. Já reconhece a crise, mas ainda se mostra mais otimista que o relator do Orçamento e os economistas da CNI. Isso é preocupante.
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