Yoshiaki Nakano
Sem dúvida nenhuma, a obra de Milton Friedman & Anna J. Schwartz, "A Monetary History of the United States, 1868-1960" (1963), é um clássico da economia por sua impressionante erudição e desenvolvimento da história em seu detalhe empírico. Concorde ou não com sua tese, é uma das grandes obras onde se utiliza a história para estabelecer relações de causa e efeito em economia. No momento em que vivemos uma crise financeira, em que há concordância de que é a maior e a mais profunda e também que está iniciando o que todos entendem que será a mais prolongada e profunda recessão desde a grande crise de 1930, pelo menos duas lições podem ser tiradas desta grande obra.
No seu Capítulo 7, Friedman & Schwartz reinterpretam "A Grande Contração de 1929-33" e apresentam evidências de que o Federal Reserve (Fed, a autoridade monetária dos EUA) falhou na sua ação como banco central, ou seja, como emprestador em última instância durante a crise financeira. Isso provocou uma contração na oferta de moeda, no início do segundo trimestre de 1929, que foi responsável pela contração na demanda agregada, no nível de produção, no emprego e pela quebra da bolsa em outubro de 1929. Este aperto na política monetária ocorreu na fase de contração do ciclo econômico, os preços dos bens e serviços estavam declinando e não havia sinais de inflação. A lição que fica, mesmo que não se concorde que a única causa da Grande Contração tenha sido a política monetária, é que o aperto monetário lançou a economia numa direção desestabilizadora, provocando o grande horror e tragédia que foi a quebra da bolsa em 1929, e a crise e o pânico bancários seguidos da depressão econômica dos anos 30. Alguns analistas observaram posteriormente que, em 1929, o produto ainda crescia e que este poderia ter sido um argumento para o aperto monetário.
O paralelo com o que estamos vivendo neste momento no Brasil, e a decisão do Banco Central do Brasil na semana passada, em manter a taxa de juros Selic em 13,75% ao ano, é inevitável. Não há justificativas objetivas para a decisão tomada pelo Banco Central quando todo o resto do mundo está reduzindo as taxas de juros, o que equivale, portanto, a uma elevação relativa.
Hoje, não há nenhuma dúvida de que o pico da atividade econômica no Brasil já foi atingido em outubro último e de que estamos em plena e forte desaceleração do nível de atividade com a queda de demanda, particularmente no setor de bens de consumo durável como o de automóveis. O próprio Banco Central, ao reduzir as taxas de depósito compulsório e criar diversas linhas de crédito para socorrer o setor exportador, está reconhecendo que houve uma forte contração no crédito, com a paralização do interbancário e corte generalizado de crédito do exterior e que, quando há oferta de fundos disponíveis, as empresas estão pagando taxas de juros muito mais elevadas no mercado.
Se pairava alguma dúvida, a divulgação dos últimos índices de preços mostram o óbvio. Apesar da maxidepreciação do real desde setembro, o Índice de Preço no Atacado em novembro apresentou uma deflação de - 0,17% e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo uma variação positiva de 0,36%, recuando em relação ao mês anterior. Nada diferente poderia ser esperado num contexto de forte contração no crédito, na demanda agregada e queda, ainda mais violenta, nos preços das commodities, particularmente quando já sabíamos que a aceleração da inflação neste ano era essencialmente causada pelo preço das commodities. Segundo o índice de preço de commodities da revista The Economist, nos últimos 12 meses, o dos alimentos teve queda de -21,8% e das commodities industriais, -47,4 %; e, no último mês, -11,0% e -25,1%, respectivamente. Será que não estamos cometendo o mesmo erro do FED na Grande Contração, apontado por Friedman e Schwartz?
A segunda lição que podemos aprender com a análise minuciosa feita por Friedman e Schwartz refere-se à questão da credibilidade do Banco Central. Um grande numero de analistas atribui a decisão do Banco Central de manter a taxa Selic à defesa de sua reputação e credibilidade. Neste momento, o Banco Central deveria mostrar a sua independência em relação às pressões reafirmando a sua reputação de "conservador", segundo esses analistas. Assim, entendem que uma redução na taxa de juros, neste momento, mesmo com evidências empíricas indicando que a política monetária deveria ser afrouxada, seria uma demonstração de fraqueza e perderia credibilidade. Atitude similar tomada pelo Fed na Grande Contração sob o argumento de estar combatendo a especulação que resultou na grande tragédia.
Friedman e Schwartz mostram como o Fed perdeu a reputação construída nos anos 20 por conta daquele erro: "O colapso do sistema bancário durante a contração minou a fé no poder do Sistema de Reserva Federal que tinha sido desenvolvido nos anos 20... Um resultado destas mudanças foi que o Sistema de Reserva foi levado a adotar um papel totalmente passivo, adaptando-se aos acontecimentos na medida em que eles ocorriam, em vez de servir como um centro independente de controle...." (página 12).
Ainda segundo os autores, foi o Tesouro, e não o Sistema de Reserva, que assumiu e executou decisões de política monetária condizentes com um centro independente de controle. Peter Bernstein, que escreve a introdução da reedição do Capítulo 7, relata que o Fed teria se transformado em pouco mais de uma caixa de compensação bancária em 1941, quando foi trabalhar lá. O mesmo autor relata que o descrédito do Fed era tal que em 1942 participou da elaboração de um relatório que sugeria que ele deveria ser incorporado ao Tesouro, com uma seção. Será que o Banco Central do Brasil não está cometendo o mesmo erro do Fed na Grande Contração, minando a sua própria credibilidade?
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