Carlos Alberto Sardenberg
O panorama nos países desenvolvidos, EUA, Japão e os principais da Europa, é bastante claro: há uma recessão em curso, com os indicadores seguindo o manual. Temos aumento do desemprego, queda de preços, forte queda na confiança do consumidor e do empresário e redução da produção. Logo, não é de estranhar que se tenha formado um amplo consenso em torno do receituário: redução de juros e amplos programas de gastos públicos para tentar reanimar a economia.
Mesmo nos países que têm déficit público elevado, como é o caso dos EUA, a receita é a mesma. Não importa que déficit e dívida aumentem neste momento, o inimigo principal é a recessão, pois se esta não for atacada a tempo pode descambar para coisa pior, uma depressão - tal é o entendimento, por exemplo, no time de Barack Obama.
A propósito, o presidente eleito marcou vários pontos na semana passada. Escolheu uma equipe econômica que cumpre as exigências de excelência acadêmica e capacidade de operação já testada e aprovada. Também deu sinais positivos, confirmando sua conhecida competência em lidar com o público.
Entre esses sinais está a indicação de Paul Volcker, quase uma santidade nos meios econômicos, para comandar um comitê anticrise com prazo de duração de dois anos. Com isso Obama mostra que tem consciência do tamanho do problema - as coisas ainda vão piorar, disse ele -, mas passa a convicção de que em dois anos a crise estará superada.
Outro sinal foi a designação para o importante cargo de diretor do orçamento de um especialista conhecido por sua visão de que as contas públicas precisam estar equilibradas. A mensagem: fazemos um déficit agora, mas já pensando no equilíbrio mais à frente.
O que falta agora no caderninho de tarefas de Obama é o plano de combate à recessão, que, entre outros, tem o objetivo de criar 2,5 milhões de empregos. Também nisso, acompanhando a imprensa americana, parece haver bastante entendimento. Esse plano deveria ter duas pernas, uma de gastos diretos do governo federal e outra de transferência de recursos federais para os governos estaduais e prefeituras. Estas administrações estão enfrentando forte queda de receitas e de financiamentos e não têm as possibilidades do governo federal de arrumar dinheiro novo.
O problema é tempo. Esse plano seria lançado em 20 de janeiro, data da posse de Obama, seguindo então a tramitação no Congresso e na burocracia. É muito demorado, dizem analistas, sugerindo que algo seja feito desde já. Muitos propuseram providências fortes, como a nomeação imediata, por Bush, dos nomes selecionados por Obama para os principais cargos econômicos, antecipando assim o funcionamento da área econômica.
Parece difícil essa duplicidade de comando. Obama não quer parecer, com razão, associado a Bush, mas esta crise já exigiu muitas coisas heterodoxas.
Já na Europa, no Japão e na China, o maior dos emergentes, os governos estão em serviço, reduzindo juros e já lançando planos de gastos. Mas há também reclamações. A Alemanha, por exemplo. Em tese, é o país mais bem equipado para um programa de gastos públicos. O governo tem superávit nas suas contas, uma folga fiscal e o país tem superávit enorme nas contas externas, com reservas abundantes. Ou seja, um caminhão de dinheiro para despejar na economia.
Mas há um problema político: como as eleições terminaram num empate técnico, formou-se um governo de coalizão, reunindo os dois maiores partidos, o Democrata Cristão e Social-Democrata. O arranjo pacificou a política, mas deixa um governo com pouca margem de ação, dadas as diferenças doutrinárias.
Ambos concordariam em gastar. Mas onde, mesmo? E ajudar quais setores? E como? Reduzir impostos? Ou seja, sai um programa tímido.
Mas outros países já estão na guerra, como Inglaterra, Espanha e França, por exemplo. E está marcada a reunião do G-20 para abril, já com Obama em plena função.
Resumo da ópera: com atrasos aqui e ali, alguma confusão e também muitos acertos, está em curso o combate à recessão.
A especulação que fica é sobre a profundidade e a duração dessa recessão. Na semana passada, saíram previsões do Fed, o banco central dos EUA. Para 2009 a economia americana ficaria entre queda de 0,2% e expansão de 1,1%. O desemprego, entre 7,1% e 7,6%. No geral, o Fed espera que a recessão se prolongue pelo primeiro semestre do próximo ano, iniciando a recuperação no segundo. Considerando o tamanho da crise, até que não é o fim do mundo, não é mesmo?
Uma variável-chave é o plano de Obama. Será eficaz?
Já aqui, no Brasil, o panorama não é tão claro. Na semana passada, saíram vários indicadores mostrando que a crise não chegou a importantes setores. Vendas de supermercados, por exemplo, vieram bastante bem em outubro. A inflação não subiu, mas também não caiu. Permanece alta e sob ameaça dos efeitos da alta do dólar.
As contas do governo vieram bem, mas por conta de uma excepcional arrecadação de impostos. Se a economia desacelerar, como deve acontecer, a arrecadação vai sofrer.
As exportações vêm mais ou menos, mas certamente vão cair, na medida em que vários clientes estão entrando na recessão.
A economia ainda cresce bem, mas muitas empresas já cortam a produção, os juros subiram, consumidores e empresários mostram desconfiança.
Então, qual o inimigo principal? Deve o governo aumentar gastos e o Banco Central reduzir juros, como se faz por aí?
Mas o governo já gasta muito - quase 40% do PIB - e gasta mal, pouco em investimentos. E como reduzir juros com inflação ainda alta?
Eis o ponto: depois de anos de ambiente internacional inteiramente favorável, o governo Lula passa agora pelo seu primeiro teste de verdade. De suas reações dependerá como vamos passar pela crise.
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