Kenneth Rogoff, Project Syndicate
Chegou a hora dos maiores bancos centrais do mundo reconhecerem que um súbito surto de inflação moderada seria extremamente útil para nos tirar do épico atoleiro de dívidas no qual estamos hoje encalhados.
De fato, a inflação é uma maneira injusta de reduzir com eficácia todas as dívidas não indexadas na economia. A inflação dos preços obriga os credores a aceitar pagamentos em moeda enfraquecida. É verdade que, a princípio, deveria haver uma forma de remediar os males do sistema financeiro sem recorrer à inflação. Infelizmente, quanto mais são examinadas as alternativas, incluindo as injeções de capital nos bancos e o auxílio direto aos proprietários de lares hipotecados, mais claro fica que a inflação seria uma ajuda, não um obstáculo.
O sistema financeiro moderno conseguiu criar uma dinâmica de inadimplência de complexidade tão entorpecente que desafia as abordagens mais corriqueiras para a reestruturação de dívidas. As garantias, as finanças estruturadas e outras inovações emaranharam os participantes do sistema financeiro uns nos outros a tal ponto que se torna essencialmente impossível reestruturar as instituições financeiras uma de cada vez. São necessárias soluções capazes de abranger todo o sistema.
A inflação moderada no curto prazo - digamos, 6% durante 2 anos - não seria capaz de limpar os balanços patrimoniais, mas provocaria uma melhora significativa nesse quadro problemático, tornando outras medidas menos caras e mais eficazes.
É verdade que, depois de tirado da lâmpada, pode levar anos até que finalmente consigamos conter o gênio da inflação. Ninguém quer reviver as lutas contra a inflação travadas nas décadas de 1980 e 1990. Mas, no momento, a economia global está no limiar do precipício do desastre. Já temos uma recessão global completa. Se os governos não se adiantarem ao problema, corremos o risco de passar por um severo declínio econômico, do tipo que não se vê desde a década de 1930.
As medidas necessárias envolvem um agressivo estímulo macroeconômico. A política fiscal deveria se concentrar idealmente nos gastos com infra-estrutura e no corte de impostos. Os bancos centrais já estão reduzindo as taxas de juros a torto e a direito. Em todo o mundo, a tendência é de que as taxas de juros se aproximem do zero; os Estados Unidos e o Japão já chegaram a esse ponto. A Grã-Bretanha e a zona do euro acabarão optando por seguir esse mesmo rumo.
Também devem ser tomadas medidas para recapitalizar e retomar a supervisão do sistema financeiro. Os imensos riscos perdurarão enquanto o sistema financeiro depender do governo para garantir a sua sobrevivência, como tem de fato ocorrido nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, na zona do euro e em muitos outros países atualmente.
A maioria dos principais bancos do mundo é, na essência, insolvente, dependendo da contínua ajuda do governo e dos seus empréstimos para seguir viva. Muitos bancos já reconheceram suas perdas cada vez maiores vinculadas às residências hipotecadas. Entretanto, conforme a recessão se aprofundar, os balanços patrimoniais dos bancos serão novamente bombardeados por uma onda de inadimplência no mercado imobiliário comercial, nos cartões de crédito, no mercado de private equity e nos fundos de hedge. Os governos, tentando evitar a nacionalização direta dos bancos, serão obrigados a recorrer a segundas e até terceiras rodadas de capitalização.
Mesmo o extravagante resgate do gigante financeiro Citigroup - no qual o governo americano despejou US$ 45 bilhões em capital, escorando perdas relativas a US$ 300 bilhões em empréstimos podres - pode afinal mostrar-se inadequado. Quando observamos a paisagem formada pelos problemas remanescentes, incluindo o mercado de credit default swap - swap para proteção contra risco de default de crédito, mercado que envolve muitos trilhões de dólares -, torna-se claro que o buraco no sistema financeiro é grande demais para ser tapado apenas com o dinheiro do contribuinte.
Certamente, uma parte central da solução é permitir que um maior número de bancos peça falência, garantindo que sejam completamente ressarcidos os seus correntistas, mas não necessariamente os credores de suas dívidas. Esse caminho será, no entanto, doloroso e custará caro.
Isto nos traz de volta à opção da inflação. Além de amenizar os problemas de endividamento, um breve surto de inflação moderada reduziria o valor real (ajustado pela inflação) dos bens imobiliários residenciais, facilitando a estabilização desse mercado. Na ausência de uma inflação significativa, o preço nominal das casas provavelmente terá de cair mais 15% nos Estados Unidos e ainda mais na Espanha, na Grã-Bretanha e em outros países. Se a inflação aumentar, o preço nominal das casas não terá de cair tanto.
É claro que, dada a recessão pela qual passamos, pode não ser tão fácil para os bancos centrais estimular qualquer inflação no momento. De fato, parece que evitar uma prolongada deflação, ou a queda nos preços, é tudo que eles são capazes de fazer.
Felizmente, criar inflação não é uma ciência muito complexa. Tudo que os bancos centrais precisam fazer é continuar a imprimir dinheiro para pagar a dívida pública. O principal risco envolvido nesse processo é a inflação ultrapassar a meta, chegando a 20% ou 30%, em vez dos 5% ou 6% pretendidos.
Realmente, o medo de ultrapassar uma meta inflacionária paralisou o Banco Central do Japão durante toda uma década. Mas esse problema pode ser facilmente remediado. Se for mantida uma boa política de informação, as expectativas inflacionárias podem ser contidas e a inflação pode ser reduzida tão rapidamente quanto for necessário.
Serão necessárias todas as ferramentas conhecidas para resolver a crise financeira atual, que parece ser do tipo que só ocorre uma vez a cada cem anos. O medo da inflação, quando visto no contexto de uma possível depressão global, é como o medo de contrair sarampo quando o verdadeiro risco é o de ser contaminado pela peste.
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