Solon Sehn
A cada nova edição do Diário Oficial da União, operadores do direito, contabilistas e contribuintes não-especializados são surpreendidos com sucessivas alterações no regime de incidência dos tributos no Brasil. Todas, em geral, marcadas por seu conteúdo casuístico ou decorrentes de medidas provisórias editadas sem a observância dos pressupostos constitucionais autorizadores. O volume e a velocidade das modificações são de tal ordem que, muitas vezes, se tem a nítida impressão de que o governo federal conduz sua política fiscal - se é que há uma - a partir do método da tentativa e do erro, sem qualquer planejamento ou comprometimento com postulados mínimos de coerência.
Um dos casos mais emblemáticos, sem dúvida, é o da Cofins. Desde 1991, quando o tributo foi instituído, seu regime jurídico-tributário vem adquirindo uma notável - e, sobretudo, injustificável - complexidade. Ao lado da Cofins "tradicional", cumulativa e incidente sobre o faturamento, o legislador estabeleceu uma Cofins não-cumulativa que incide sobre a receita bruta das pessoas jurídicas. E, como se não bastasse, tornando ainda mais confusa a disciplina do tributo, instituiu uma Cofins "monofásica", seguida, desde janeiro de 2004, de uma Cofins incidente sobre a importação de bens e serviços.
Sem se dar por satisfeito, o legislador avançou ainda mais. E sobre a mesma base de incidência da Cofins, resolveu exercer a plenitude de seu gênio criativo sobre o antigo PIS/Pasep. O tributo, instituído originariamente pelas Leis Complementares nº 7 e 8, de 1970, foi, então, desdobrado em cinco: o PIS/Pasep cumulativo incidente sobre o faturamento; o PIS/Pasep não-cumulativo incidente sobre a receita bruta; o PIS/Pasep incidente sobre a importação de bens e serviços; o PIS/Pasep incidente sobre a folha de salários; e o PIS/Pasep sobre a receita e transferências de pessoas jurídicas de direito público interno.
Trata-se, sem dúvida, de um quadro caótico - infelizmente, apenas um entre tantos outros - que ilustra a realidade lamentável do sistema tributário brasileiro. Por isso mesmo, vem em boa hora a iniciativa de unificação do PIS/Pasep e da Cofins - e também do salário-educação - em um único imposto sobre o valor adicionado federal - o IVA-F -, proposta na última versão do projeto de reforma tributária em trâmite no Congresso Nacional.
O novo imposto, porém, ainda é marcado por problemas do passado. A proposta insiste na vedação de crédito em operações sujeitas à alíquota zero, isenção, não-incidência e imunidade. Essa proibição, criada em 1983 pela chamada emenda "Passos Porto", como forma de aumento da arrecadação do então ICM, gera efeitos extremamente prejudiciais para a economia, desde o conhecido efeito cascata até a concorrência desleal entre os produtos importados e nacionais.
A emenda prevê ainda o chamado cálculo por dentro do IVA-F, mecanismo igualmente herdado do ICMS, no qual o valor do tributo integra a sua própria base de cálculo, gerando um alíquota real maior que a nominal. Com isso, aumenta-se a carga tributária de forma velada, ocultando o impacto efetivo do imposto, em prejuízo da transparência fiscal - um valor até hoje não realizado entre nós, embora previsto no parágrafo 5º do artigo 150 da Constituição Federal.
O aspecto mais infeliz, no entanto, está na tentativa de se introduzir no texto constitucional uma definição especial de serviço para fins de incidência do IVA-F: considera-se prestação de serviço toda e qualquer operação que não constitua circulação ou transmissão de bens. Tal definição é completamente estranha ao campo do conhecimento jurídico. Além disso, colide diretamente com o conceito de serviço há muito adotado no direito privado e no direito tributário. Se aprovado, esse aspecto da proposta certamente será fonte de infindáveis questionamentos judiciais, prejudicando, inclusive, a interpretação do regime de incidência de outros tributos, como o ISS. Revela ainda a falta de técnica legislativa do projeto, fruto do crescente alijamento de juristas na elaboração de anteprojetos em matéria fiscal. Já nas primeiras lições de introdução ao estudo do direito, sabe-se que não é função do legislador formular conceitos ou definições - no caso, nitidamente motivadas por um escopo arrecadatório. Estes, na verdade, são construídos pela doutrina e pela jurisprudência a partir de uma interpretação sistemática do direito, seus institutos, regras e princípios. Não será a recente proposta de reforma tributária que poderá modificar essa realidade.
Poucas em número, mas significativas em sua extensão, tais deficiências precisam ser suprimidas da proposta de reforma tributária. Do contrário, o IVA-F deixará de ser um caminho para a simplificação fiscal para se converter em mais um instrumento de aumento da carga tributária e de violação de direitos constitucionais do contribuinte-cidadão.
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Há 2 dias
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