Sergio Lamucci, de São Paulo
Depois de três anos marcados pela abundância de dólares, o Brasil volta a conviver com a escassez de capital estrangeiro. Com a crise global, a oferta de recursos externos em 2009 deverá ser mais modesta, tanto pelo lado da conta corrente como da conta de capitais. O superávit comercial tende a continuar em queda, o investimento estrangeiro direto deve encolher e o fluxo para aplicações em bolsa e em renda fixa não deve ser dos mais expressivos. Essa combinação deve implicar uma taxa de câmbio mais desvalorizada e uma taxa de crescimento mais baixa - o consenso dos analistas ouvidos pelo Banco Central (BC) aponta uma expansão de 2,8% em 2009, mas há previsões na casa de 2%, bem menos que os mais de 5% esperados para este ano.
Com menos investimento direto e menos capital externo para as empresas financiarem seus projetos, um dos motores da economia desde 2006, a formação bruta de capital fixo (FBCF, que mede o que se investe em construção civil e em máquinas e equipamentos) vai crescer a um ritmo bem mais fraco em 2009, dizem os analistas. O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, prevê alta para a FBCF de 12,9% neste ano e de 2,5% no ano que vem, enquanto Juan Jensen, da Tendências Consultoria Integrada, projeta expansão de 15% para 2008 e 2% para 2009.
Outro ponto é que a procura externa por produtos brasileiros deve diminuir, afetando a demanda e o fluxo de dólares provenientes das exportações. Isso também diminui o espaço para o crescimento, já que uma atividade econômica muito forte leva a uma alta significativa das importações, algo que tenderia a aumentar ainda mais o já elevado déficit em conta corrente.
A melhora nas contas externas brasileiras ocorreu com mais força a partir de 2003, quando o país teve superávit de US$ 4,2 bilhões em conta corrente (medida das transações de bens, serviços e rendas do país com o exterior). O resultado global do balanço de pagamentos - que inclui também a conta de capitais - mostrou um saldo positivo de US$ 8,5 bilhões. Foi a partir de 2006, porém, que o país experimentou uma fartura de dólares mais significativa. Naquele ano, o resultado do balanço de pagamentos mostrou uma sobra de US$ 30,6 bilhões, que se ampliou para US$ 87,5 bilhões em 2007, o que permitiu ao Banco Central (BC) comprar dólares agressivamente e elevar significativamente as reservas do país, hoje superiores a US$ 200 bilhões.
Com a queda do saldo comercial e o aumento significativo das remessas de lucros de dividendos, esse número caiu neste ano, mas ainda deve haver uma sobra de US$ 21,5 bilhões, segundo Vale. No ano que vem, porém, esse número pode ficar no vermelho - a MB projeta déficit de US$ 2 bilhões. "Depois da trégua dos últimos anos, o Brasil vai voltar à normalidade, que é a escassez de dólares", diz o coordenador do grupo de conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Antonio Licha. Ele vê a conta de capitais (que inclui investimentos diretos, empréstimos com mais um ano de prazo, aplicações em renda fixa e ações) zerada em 2009 e um déficit em conta corrente de US$ 45 bilhões, com forte aumento em relação aos US$ 25 bilhões deste ano. O consenso de mercado, porém, aponta para um rombo menor, de US$ 30 bilhões.
O ex-ministro Edward Amadeo, sócio da Gávea Investimentos, diz que a perspectiva de redução dos fluxos da conta de capitais terá impacto negativo especialmente sobre a formação bruta de capital fixo, que desde 2006 cresce a taxas superiores a dois dígitos. Segundo os analistas ouvidos pelo BC, o fluxo de investimento direto deve ficar em US$ 25 bilhões em 2009, um número ainda elevado, mas 28,5% abaixo dos US$ 35 bilhões esperados para este ano. Com o mundo desenvolvido em recessão e o emergentes em desaceleração, os lucros das empresas vão encolher, reduzindo o dinheiro disponível para inversões produtivas no Brasil - e em todos os países.
Parte desses recursos vinha financiando os projetos de expansão da capacidade produtiva das empresas - em 2007, quando o investimento direto atingiu US$ 34,6 bilhões, a FBCF cresceu 13,4%. "É importante lembrar que o investimento direto tem um efeito multiplicador na economia. Para cada unidade de inversão estrangeira, pode-se multiplicar por dois o impacto sobre a atividade econômica." Amadeo lembra também que, com o mercado de capitais fechado, as empresas não deverão conseguir levantar recursos por meio de ofertas públicas de ações (IPOs, na sigla em inglês) - em 2007, eles totalizaram R$ 65,5 bilhões, dos quais 75,4% foram abocanhados por estrangeiros. "Parte desse dinheiro ia para a bolso dos acionistas, mas uma outra parte ia para financiar projetos de expansão das companhias", afirma ele.
"As empresas terão dificuldades de funding. Será difícil conseguir recursos no exterior por meio de IPOs ou emissão de dívida", diz o economista-chefe do Unibanco, Marcelo Salomon, que vê um cenário muito fraco para os fluxos de ações e renda fixa em 2009. "Isso vai ter impacto sobre o investimento." Para ele, o mercado de capitais será quase inexistente no ano que vem.
As perspectivas para a conta corrente também não são das mais positivas. O superávit comercial deve continuar a encolher, segundo Vale, que projeta uma saldo de US$ 24 bilhões neste ano e de US$ 13 bilhões no ano que vem. Para ele, as exportações devem crescer 5,1% em valor em 2009, atingindo US$ 214,4 bilhões, um ritmo bem mais fraco que os 27% previstos para este ano. Com o baixo crescimento global, o panorama para as exportações não é animador, diz Jensen, lembrando que os países desenvolvidos estarão em recessão e que haverá desaceleração forte dos emergentes.
As importações, por sua vez, vão crescer a uma velocidade mais fraca que a deste ano, refletindo a desaceleração da economia brasileira, mas ainda assim vão avançar mais rapidamente que as exportações. Vale projeta alta de 12,3% para as compras externas, para US$ 201 bilhões. Nesse cenário, o saldo comercial, que atingiu US$ 40 bilhões em 2007, vai seguir em queda no ano que vem, afirma ele. "De outubro para cá, mudou tudo, tanto para a conta corrente como para a conta de capitais", resume Vale.
Tudo isso implica, claro, um câmbio mais desvalorizado do que o que vigorou ao longo dos últimos anos. Um dólar na casa de R$ 1,55, como se viu em agosto deste ano, é algo que faz parte do passado, diz ele. Os analistas projetam um câmbio de R$ 2,20 no fim deste ano e de R$ 2,15 no fim do ano que vem. Nesse cenário, o BC provavelmente venderá parte dos mais de US$ 200 bilhões de reservas para compensar a escassez de moeda estrangeira no mercado.
Se a balança comercial deve encolher em 2009, Vale considera possível que o quadro para a remessa de lucros e dividendos seja mais favorável do que neste ano. A combinação de câmbio valorizado, crescimento forte dos lucros das empresas e necessidade das matrizes das multinacionais de fazer caixa levou essas remessas a pular de US$ 22,4 bilhões em 2007 para esperados US$ 34 bilhões neste ano.
Para 2009, com o câmbio mais desvalorizado (o que faz os reais comprarem menos dólares) e expansão mais modesta dos lucros, esse número pode ficar em US$ 30 bilhões, afirma Vale. Com isso, a conta corrente teria déficit de US$ 30 bilhões, em linha com os US$ 29,2 bilhões esperados para 2008. Salomon também considera possível que haja alguma surpresa positiva nas remessas de lucros e dividendos, pelos mesmos motivos apontados por Vale.
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