Cristiane Perini Lucchesi, de São Paulo
A puxada no valor do dólar - de 62% desde o seu nível mínimo no ano - muda o jogo no mercado de fusões e aquisições para o Brasil. As empresas brasileiras passam, de uma hora para outra, de compradoras a alvo de aquisições, alerta Gary Cohn, co-presidente mundial do Goldman Sachs. "Quando estive aqui no Brasil há 6 meses me encontrei com as 20 maiores empresas do país e todas queriam comprar ativos fora do país", conta. "Agora, nós temos as mesmas companhias procurando potenciais investidores externos", revela ele.
Para o Goldman Sachs - líder mundial no mercado de fusões e aquisições e sexto colocado no mercado brasileiro neste ano até novembro, segundo a Thomson Reuters -, essa é uma oportunidade. "Nossos clientes globais têm mais e mais interesse no Brasil, especialmente agora, após a desvalorização cambial e a queda nos preços das ações", afirmou ontem, em entrevista ao Valor no Hotel Emiliano, em São Paulo. Terrorismo, distúrbios políticos ou geopolíticos em outros países emergentes fazem os investidores voltarem ainda mais sua atenção para oportunidades no Brasil, "um país mais estável".
Pragmático, Cohn não nega perdas do banco, inclusive no Brasil. "O jeito que nós gerimos nossos negócios é marcar a mercado todos os nossos ativos todos os dias, inclusive os investimentos diretos, e realmente nós teremos perdas", afirma. O "The Wall Street Journal" fala em prejuízos globais de US$ 2 bilhões no quarto trimestre fiscal, cujos números Cohn não quis comentar e serão divulgados na terceira semana de dezembro. Como apenas o Morgan Stanley adota a mesma política de marcação a mercado, "inúmeras perdas que teremos neste semestre não serão perdas para nossos sócios em diversos empreendimentos", afirma.
Cohn lembra que "todas as classes de ativos" estão em queda abrupta de preços, desde ações, passando por títulos da dívida, commodities até imóveis e que essa depreciação vai se perpetuando e aprofundando com a ausência de crédito. "Nossos ativos no Brasil também foram afetados pelo ambiente de hoje, de falta de financiamento", confirma. "Mas, se você tivesse disponibilidade de crédito, de alavancagem, esses ativos no Brasil seriam interessantes", diz. Quando o crédito voltar, os preços voltarão a ser marcados para cima e o Goldman Sachs poderá ter ganhos fortes, diz. Ele não descarta novas baixas nos próximos trimestres, no entanto, antes da recuperação.
No Brasil, entre outros investimentos, o Goldman Sachs tem 15% do capital da Santelisa Vale, de Sertãozinho (SP), o terceiro maior grupo de açúcar e álcool do país, que renegocia dívidas de US$ 300 milhões. Também tem participação minoritária na empresa de aviação BRA, que está sem operar desde o final de 2007 e em recuperação judicial, com dívida de R$ 220 milhões, a maior parte com bancos. O banco é também credor da Braspelco, inadimplente desde o início de 2006 e com dívida de US$ 200 milhões. Além disso, o Goldman Sachs é um dos 12 credores da Aracruz em derivativos e participa da renegociação de dívida total de US$ 2,1 bilhões.
Como parte dos cortes de 10% no total de funcionários em todo o mundo, o Goldman também reduziu pessoal no Brasil e na América Latina. Mas em proporções ligeiramente menores do que no mundo. Apesar disso, Cohn afirma que continua a expandir negócios no Brasil e "em todos os países que consideramos como as economias dominantes no futuro".
Cohn, um dos executivos que abriu mão de bônus neste ano, depois de ganhar US$ 67,5 milhões no ano passado, acredita que o final de 2008 "será difícil", assim como o início de 2009. "Se você quiser ser otimista, você pode dizer que a recuperação virá no segundo semestre de 2009."
O problema maior, segundo ele, é que a ausência de crédito por um grande período de tempo vai aos poucos aprofundando a recessão econômica e pode levar a uma depressão. "Com certeza nós teremos uma recessão muito profunda e nós já vemos alguns elementos de uma depressão, como o colapso no preço dos ativos", diz.
Cohn não lamenta nem busca responsáveis pelo debacle no sistema financeiro internacional. "Os mercados financeiros são cíclicos, vem sendo cíclicos e vão continuar a ser cíclicos: essa é a forma como o mundo funciona." Ele vê, no entanto, uma lição a ser tirada da crise: quando os mercados estiveram otimistas, nos últimos cinco a seis anos, os bancos reduziram demais seus padrões para concessão de empréstimos.
Defensor do "livre mercado", que ele diz "funcionar muito bem", Cohn acha que a modernização do sistema regulatório americano e mundial ajudaria a conter excessos no crédito em momentos de otimismo, assim como a minimizar a contabilização de ativos fora do balanço. Ele destaca, no entanto, que de nada adianta mudar as regras apenas nos Estados Unidos. "O sistema financeiro hoje é tão global que nós precisamos de um ambiente regulatório global", afirma. "Se você não faz isso, os mercados são espertos o suficiente para se moverem para lugares onde não são regulados", comenta.
Cohn diz que o Goldman Sachs pretende recomprar a participação do Tesouro americano no seu capital o quanto antes. No total, o governo dos EUA injetou US$ 10 bilhões em ações preferenciais que rendem cupom (juro nominal) de 5% ao ano nos primeiros cinco anos e 9% nos demais cinco anos. Além disso, o Tesouro ficou com US$ 1,5 bilhão em warrants (opções de compra de ações garantidas pelo Goldman Sachs) com preço de US$ 22 por ação. Se o Goldman resgatar a posição até o final de 2009, o US$ 1,5 bilhão será reduzido para US$ 750 milhões. "Eles mesmos nos estimulam a recomprar essa posição logo", diz.
No entanto, nos primeiros três anos, a participação do Tesouro só poderá ser recomprada com os recursos de emissão de capital de nível 1. "Só depois de três anos é que nós poderemos tirar o Tesouro de nosso capital com lucros retidos", explica. O investidor Warren Buffet também injetou capital no Goldman Sachs, comprando US$ 5 bilhões em ações preferenciais e mais US$ 5 bilhões em warrants.
Segundo Cohn, o Goldman Sachs já estava entre as empresas mais capitalizadas do setor financeiro no final do primeiro trimestre e agora, depois de levantar US$ 20 bilhões com o Tesouro e com Buffet, está em posição mais confortável ainda. "Quando as pessoas verem nossos indicadores financeiros, nossa alavancagem, vão todas rir", afirma.
Cohn acredita que, mesmo com a crise, os bancos vão continuar a ter diferentes modelos de negócios. "Haverá bancos de varejo viáveis, bancos de custódia viáveis, bancos de infra-estrutura, bancos de investimento etc."
Apesar de o Goldman Sachs ter se transformado em um banco comercial - antes tinha permissão para atuar só como banco de investimento -, Cohn descarta dar uma guinada para entrar no negócio de banco de varejo. "Nós não temos expertise na área e isso não nos permitiria atingir nossas metas", comenta. Ele afirma "ter interesse" em transformar o Goldman em um banco de atacado, um banco corporate. Ele não descartou também criar um banco online, como aventou o "The Wall Street Journal". "Seria apenas uma forma de captação de depósitos, e nós temos ativos hoje que podem ser financiados com depósitos bancários", disse, para completar que nada está decidido ainda.
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