Chico Santos
O ciclo de crescimento dos investimentos na economia brasileira, que já dura 17 trimestres consecutivos, com perspectiva de continuidade, começa a pressionar o caixa da principal fonte de financiamentos de longo prazo do país, o BNDES. Com o objetivo de administrar a crescente escassez de recursos, o banco estatal decidiu no mês passado cortar de 10 a 20 pontos percentuais seu limite de participação no valor dos investimentos de grande número de setores.
A medida começa a gerar reação negativa no setor produtivo. Paradoxalmente, isso ocorre em um ano no qual a instituição de fomento vai bater o quinto recorde consecutivo de desembolsos anuais, alcançando R$ 80 bilhões de janeiro a dezembro. O número é quase quatro vezes o valor de R$ 23,04 bilhões desembolsado no ano 2000 e 23,3% maior do que os R$ 64,9 bilhões emprestados no ano passado.
Agora, projetos com 100% de participação do BNDES somente se forem para inovação, para micro, pequena e média empresa ou para logística, mais especificamente, para resolver gargalos ferroviários nas regiões Norte e Nordeste. Para bens de capital, o limite de participação do banco por projeto caiu de 100% para 80%. Para o setor agropecuário, que inclui o sucroalcooleiro, a redução foi de 80% para 60%. Para geração de energia, que chegava a 85%, foi unificado em 80%. Para transmissão, caiu de 80% para 70% e para distribuição permaneceu em 60%.
Para projetos considerados de desenvolvimento regional, os percentuais podem subir. Se for em um município considerado de média ou baixa renda, a participação é 10 pontos percentuais maior, em qualquer região do país. Caso esse município esteja nas regiões Norte ou Nordeste (incluindo as áreas de Minas Gerais e Espírito Santo que estão no âmbito da Sudene), a participação cresce mais 10 pontos. Uma operação de bens de capital por exemplo, nesses casos, volta a ter direito a 100% de participação.
Ficam fora desse benefício gerado pela classificação dos municípios brasileiros por faixa de renda os projetos de insumos básicos industriais, exceto aqueles de origem agropecuária ou de exploração florestal. Também estão excluídos os projetos de comércio e serviços e os de infra-estrutura de comunicação e de energia elétrica.
Formalmente, as mudanças foram feitas com o objetivo de adaptar as políticas operacionais do banco à Política de Desenvolvimento Produtivo, a nova política industrial do país. Tanto que as mudanças foram implementadas no mesmo dia 9 de maio em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a nova política.
Mas já é público o esforço que a diretoria do banco vem fazendo, seja para aumentar as fontes de recursos, ampliando, por exemplo, a captação externa, seja para racionalizar os recursos disponíveis. O descompasso entre a oferta e a demanda é evidente. Em palestra feita anteontem no auditório do banco, o superintendente da Área de Pesquisa e Acompanhamento Econômico da instituição, Ernani Teixeira Torres Filho, mostrou um gráfico evidenciando o descolamento entre as disponibilidades, representadas pelos desembolsos, e a demanda, expressa nas aprovações de novos projetos.
Em 2004, as aprovações foram até menores do que os desembolsos, mas já em 2005 ficaram R$ 7,5 bilhões maiores. O hiato ampliou-se em 2006, quando desembolsos e aprovações foram, respectivamente, de R$ 51,3 bilhões e R$ 74,3 bilhões. Em 2007 a diferença ultrapassou R$ 30 bilhões, patamar no qual permaneceu nos 12 meses encerrados em abril deste ano.
Com a pressão da demanda, a liquidez do banco foi reduzida. Enquanto em 2003 o retorno dos empréstimos e a monetização de ativos financeiros representaram 107% do total desembolsado, no ano passado o número caiu para 83%. Tudo isso em uma conjuntura na qual, conforme demonstrou Torres, as outras fontes de recursos de longo prazo, como o mercado de capitais, cresceram, mas continuam limitadas, deixando a parte do Leão a cargo do autofinanciamento e do BNDES.
O cobertor curto do banco, cuja principal fonte de dinheiro novo é o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), já gera reclamações entre quem se sente prejudicados. O presidente da poderosa União dos Produtores de Bioenergia (Udop), José Carlos Toledo, pediu em entrevista ao Valor que os limites anteriores de financiamento ao setor pelo BNDES sejam restabelecidos. Segundo ele, com a demanda por etanol "crescendo uma barbaridade", a decisão vai dificultar a manutenção do crescimento anual de 14% na oferta, necessário para suprir essa demanda.
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