Josette Goulart e Zínia Baeta, De São Paulo
O fantasma da "marcação a mercado" dos fundos de investimentos, que em 2002 gerou um saque em massa dessas aplicações, continua a rondar os bancos. Cotistas desses fundos que sacaram seus recursos na época estão conseguindo no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decisões favoráveis que determinam que os bancos os indenizem pelos prejuízos que sofreram no período. Os desembargadores de São Paulo que concederam as decisões entendem que as perdas se deram não porque o Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) exigiram que as regras fossem cumpridas até o mês de maio daquele ano, mas sim porque os bancos não cumpriam uma determinação do BC que já existia desde 1996. No Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região , a quarta turma julgou que a instituição financeira deveria ter prevenido o cliente de que o saldo de suas aplicações em renda fixa poderia sofrer alterações. Em algumas câmaras do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) o episódio foi julgado como uma prestação de serviços defeituosa por parte dos gestores.
As ações judiciais contra os bancos multiplicaram-se país afora e o teor das decisões varia desde a responsabilização dos bancos até dos próprios cotistas. Algumas decisões de tribunais - como os de Brasília, do Rio Grande do Sul e também o de São Paulo - concordam com as teses dos bancos de que os investidores sabiam dos riscos inerentes às aplicações em fundos de investimento. Os casos serão resolvidos definitivamente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) - que fatalmente analisará a questão, pois muitas apelações já chegaram à corte.
O advogado Gilberto Luiz do Amaral, do escritório Amaral Advogados Associados, conseguiu no TRF da 4ª Região uma decisão que determina à Caixa Econômica Federal (CEF) a devolução, ao seu cliente, de aproximadamente R$ 35 mil. Segundo ele, a decisão é didática e um importante precedente pelo fato de os desembargadores entenderem que a instituição deveria ter prevenido o cliente dos riscos da aplicação da "marcação a mercado". Segundo o advogado, o fundo foi apresentado a seu cliente pelo banco como sendo de renda fixa, com uma rentabilidade projetada de 5% ao mês. "Meu cliente aplicou nesse fundo para não correr o risco de perdas", diz. A assessoria de imprensa da CEF informou que possui em todo o país 79 ações sobre o tema, sendo a maior parte das ações favoráveis a ela. A instituição, porém, não informou em quais instâncias os processos já foram julgados.
Os investidores que não têm processos na Justiça para questionar as perdas que sofreram, mas que ainda pretendem propor alguma ação, podem ter dificuldade até mesmo para passar da primeira instância. Isso porque a Justiça pode entender que o prazo para entrar com a ação já prescreveu. A aceitação do processo dependerá de como o caso será tratado pela Justiça: se baseado no Código de Defesa do Consumidor (CDC) ou no Código Civil. O TJ paulista, por exemplo, tem decisões adotando tanto um quanto o outro dispositivo legal. Pelo primeiro, a prescrição é de cinco anos, e pelo segundo, de dez anos.
Para o advogado João Antônio Motta, especialista em direito bancário, a prescrição seria de dez anos, de acordo com o artigo 203 do Código Civil, correspondente ao artigo 178 do Código Civil anterior. "Quem estabelece a prescrição de contratos é o Código Civil e não o Código de Defesa do Consumidor", afirma. Segundo ele, nas ações propostas pelos prejuízos da marcação a mercado o que se discute é a essência do negócio, do contrato - e não os acessórios, como os juros. Por isso não se aplica ao caso a prescrição de três anos prevista pelo Código Civil para as discussões de juros remuneratórios, por exemplo.
Independentemente da discussão sobre a prescrição, os investidores que não ajuizaram ações poderão beneficiar-se dos resultados, se positivos, das ações coletivas propostas em 2002 por entidades de defesa do consumidor - caso do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e do Ministério Público Federal. A advogada do Idec, Maria Elisa Cesar Novais, afirma que o instituto propôs sete ações coletivas contra a CEF, Banco do Brasil, Banespa, Bradesco, Itaú, Unibanco e ABN Amro. Todas as ações - que correm na Justiça Federal por envolverem no pólo passivo o Banco Central e a CVM - ainda aguardam julgamento. Segundo a advogada, se favoráveis, as decisões beneficiarão somente os associados da entidade - algo em torno de 80 mil.
O Ministério Público Federal entrou em 2002 com ações contra o Bradesco, Itaú, CEF e Banco do Brasil. A procuradora da República no Distrito Federal, Valquíria Quixadá, afirma que as ações ainda estão para serem julgadas na primeira instância. A mais adiantada, conclusa para sentença, é a que corre na 1ª Vara Federal contra o Bradesco.
Os bancos foram procurados pelo Valor mas não quiseram se manifestar sobre o assunto. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban), porém, informa em nota que a atuação das instituições financeiras é caracterizada pela sua relação de subordinação à regulamentação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e pelo Banco Central, sob o risco de incidirem sobre elas as penas previstas na legislação pertinente. "Na medida em que a marcação a mercado foi acompanhada de uma série de disposições do CMN e do Bacen que alteraram as regras de remuneração de distintos ativos, as instituições financeiras agiram em conformidade com a lei", diz a nota.
Mas em uma das decisões mais recentes do TJSP, tomada em abril contra o Banco do Brasil, os desembargadores da 2ª câmara de direito privado lembram que a correção dos títulos pelo valor real de mercado já era obrigatória desde 1996 e que os bancos só passaram a cumprir a regra no prazo fatal sem o prévio conhecimento dos investidores.
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