segunda-feira, 16 de junho de 2008

Inevitável, aperto nos EUA já afeta mundo

Ainda bem que a política monetária do Federal Reserve (Fed), ao contrário da praticada pelo Copom, mira o núcleo da inflação americana. Se o alvo fosse, como aqui, o índice cheio deveria estar preparando um choque de juros e esta reta final para a próxima reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, em inglês), marcada para o dia 25, seria um tormento. Na sexta-feira passada, saiu nos EUA um índice de preços ao consumidor digno do Brasil. O CPI saltou 0,6% em maio, vindo de um alta de 0,2% no mês anterior, o suficiente para acumular em 12 meses 4,2%. Ou seja, transplantado para cá, o índice americano estaria bem perto da meta de 4,5%. Só que o núcleo ainda se mostra razoavelmente comportado.

O ideal seria core abaixo de 2% em 12 meses, mas não está muito longe disso, a 2,3%. Os índices americanos do atacado refletem, como os nossos IGPs, as disparadas de preços registradas pelo petróleo e pelos alimentos. Amanhã, sai o PPI de maio. A expectativa é de uma aceleração de 0,2% em abril para 1% em maio. Em termos anuais, o índice cheio subirá de 6,5% para 6,7%. Tanto em relação ao CPI quanto ao PPI, os números exigem do Fed o mesmo posicionamento adotado pelo Copom desde abril. Mas lá não é tão fácil como aqui subir o juro. Por isso, a estrutura a termo da taxa de juros americana (a chamada curva de longo prazo) persiste embutindo a expectativa de manutenção do juro em 2% na reunião do Fomc da quarta-feira da semana que vem. Mas a taxa não escapa de uma alta de 0,25 ponto na reunião seguinte, agendada para 5 de agosto. Para um fed fund de 2%, a taxa do título de dois anos do Tesouro americano alcança 3,02%, o juro do de 5 anos atinge 3,72% e o papel de 10 anos oferece 4,26%.

O Fomc não tende a antecipar para o dia 25 o início do ajuste monetário por várias razões. A primeira é que o ajuste imediato não foi exaustivamente sinalizado por meio de comunicações formais do Fed. O Fed, até mais do que o Copom, não gosta de surpreender Wall Street. A segunda é que ainda há dúvidas sobre o grau de desempoçamento da liquidez alcançado pela flexibilização iniciada em setembro do ano passado. Ao todo, ela derrubou a taxa básica de 5,25% para 2%, irrigou liquidez, evitou a quebra de bancos e impediu que a economia se contraísse. Hoje a visão do pouso suave é a mais em voga. Mas o sistema bancário já está sólido o suficiente para aguentar um deslocamento de alta do juro? Ninguém sabe. Daí se conclui que a alta será bem gradual e não linear. Tanto que o objetivo maior do miniarrocho é provocar uma valorização internacional do dólar. "Elevar os juros lá não é tarefa simples", diz o economista-chefe da Gradual Corretora, Pedro Paulo Silveira. "Há muitas implicações em vários setores e o remédio pode causar mais danos que melhorias".

Não se descarta por isso que o dólar venha a se corrigir por outro movimento: o da reversão na balança comercial. A balança comercial americana, observa Silveira, parece estar revertendo sua trajetória francamente deficitária. Este movimento é causado pela alta significativa dos preços dos importados, a maior desde 1983. Este refluxo do comércio nos EUA pode enxugar dólares da praça e, num segundo momento, forçar sua valorização da moeda. Trata-se, porém, de efeito que poderá ser verificado apenas no médio prazo. "Forçar a valorização do dólar no curto prazo via o aumento na taxa básica pode colocar os outros objetivos da política econômica americana (emprego, nível de atividade e saúde do sistema financeiro) em risco desnecessário", adverte o economista. As consequências mundiais de uma valorização apressada do dólar não podem ser subestimadas. Ao corrigir o fenômeno monetário da inflação o Fed não "ataca" a causa da inflação mundial: a demanda acelerada de países em desenvolvimento.

Apreciar o dólar agora iria simplesmente empurrar a inflação dos EUA para outras economias. A desvalorização das moedas globais poderia reforçar um clima de pessimismo generalizado. O que aconteceria, por exemplo, com a inflação brasileira se o dólar voltasse a ser cotado a R$ 2,00, um piso que foi rompido faz pouco tempo, em 15 de maio de 2007, há um ano e um mês, portanto? Para tanto, considerando que a moeda fechou sexta-feira cotada a R$ 1,6360, teria de subir 22,25%. Uma alta desta magnitude engoliria completamente o ganho que os fundos externos têm com aplicações de renda fixa remuneradas com base na variação da Selic. A perspectiva de perda ampliaria o overshooting cambial. O avanço do dólar reduz o preço das commodities, afetando o valor exportado pelo Brasil. Pode ajudar a reduzir o déficit em conta corrente se as importações ficarem muito caras. Mas isso tem de novo impacto direto sobre a inflação. Ainda bem que, essencialmente, Ben Bernanke tem pouca coisa de Paul Volcker.

Luiz Sérgio Guimarães é repórter de finanças
luiz.guimaraes@valor.com.br

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