PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
A RODADA Doha da OMC, conhecida como "Rodada do Desenvolvimento", entrou em colapso outra vez. Já perdi a conta, mas creio que esse é o terceiro ou o quarto colapso em três anos. Até o Brasil, que sempre foi construtivo, parece ter jogado a toalha.
A Folha registrou o clima de abatimento dos negociadores e relatou que a representante comercial dos EUA, Susan Schwab, estava à beira do choro. Mariann Boel, a comissária de Agricultura da União Européia, teria derramado lágrimas.
Lágrimas? Se as houve, foram de crocodilo, certamente. Desde que a Rodada Doha foi lançada, há quase sete anos, o principal obstáculo ao avanço das negociações tem sido a resistência acirrada dos EUA e da União Européia a medidas de liberalização na área da agricultura.
Nesses países, os lobbies agrícolas são extremamente poderosos e organizados. Em conseqüência, os governos relutam enormemente em diminuir subsídios e aumentar o acesso a mercados agrícolas. Isso não os impede, entretanto, de pressionar por concessões dos países em desenvolvimento em termos de acesso a mercados industriais, agrícolas e de serviços. Se tudo corresse como queriam as velhas potências, a Rodada Doha se converteria rapidamente em "Rodada do Subdesenvolvimento", como já escrevi nesta coluna.
O Brasil fez o possível (talvez até o impossível) para viabilizar um acordo. Houve um empenho inegável do governo brasileiro em chegar a um resultado, ainda que modesto. Outros países em desenvolvimento foram mais resistentes, notadamente a China, a Índia e a Argentina. A gota d'água para mais esse colapso das negociações parece ter sido o desentendimento entre os EUA, a China e a Índia a respeito da questão agrícola. Os chineses e os indianos defendiam um mecanismo de salvaguarda especial que permitisse proteger os seus mercados contra súbitos aumentos nas importações de produtos agrícolas.
Nesse ponto específico, os interesses comerciais dos EUA e do Brasil, que são exportadores agrícolas, eram convergentes: ambos se beneficiariam de uma maior abertura dos mercados indiano e chinês.
A diferença é que o Brasil estava aparentemente disposto a ser flexível e a acomodar as pretensões da China e da Índia. Os EUA, não. Segundo o comissário de comércio da União Européia, Peter Mandelson, "os americanos riscaram uma linha na areia e se recusaram a cruzá-la".
Fim de papo.
Como ficamos? Para o Brasil, havia talvez o risco de que uma abertura exagerada nas áreas industrial e de serviços não fosse efetivamente compensada por ganhos em agricultura. Os nossos mercados industriais e de serviços, nos quais temos interesses defensivos, poderiam ficar excessivamente expostos à competição estrangeira. Na agricultura, em que os nossos interesses são ofensivos, as concessões feitas por europeus e americanos seriam provavelmente modestas.
Se essa avaliação é correta, o colapso das negociações pode até ter sido "a blessing in disguise" ("uma bênção disfarçada"). Preservamos, pelo menos, os nossos mecanismos de defesa tarifária e comercial para setores de importância estratégica.
Afinal, não deve passar pela cabeça de ninguém que um país com o nível de desenvolvimento e as características estruturais do Brasil (alta taxa de urbanização, um parque industrial diversificado e um setor de serviços importante) possa depender preponderantemente do setor agrícola.
O Brasil não teria motivos para verter lágrimas -talvez só de crocodilo.
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Há 2 dias
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