O governo criou uma comissão interministerial para discutir o futuro das reservas de petróleo e gás acumuladas no chamado pré-sal. Em recente seminário realizado em São Paulo, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho - um dos integrantes desta comissão -, informou aos presentes que uma das tarefas deste grupo é estruturar fundos de desenvolvimento com base nos recursos que serão gerados a partir desta riqueza natural. Assim, sem nenhum detalhe, ele revelou uma discussão que existe dentro do governo: a adoção de mecanismos que permitam antecipar em alguns anos os recursos públicos que podem ser gerados a partir da riqueza do pré-sal, a chamada securitização destes ativos.
Para Coutinho, a securitização de parte das reservas do pré-sal pode ser utilizada para suportar os investimentos necessários à própria exploração desta riqueza. Para 2008, a Petrobras programou investimentos de R$ 55 bilhões, 21% mais que em 2007. Do total, R$ 26 bilhões são para a área de exploração e produção, mas anda não incluem o desenvolvimento dos campos gigantes, entre eles Tupi - com reservas estimadas entre 5 e 8 bilhões de barris.
A discussão da securitização está misturada a várias outras, especialmente as do modelo de exploração dos campos gigantes e de divisão desta riqueza. Se fosse mantido o modelo em vigor (de concessão para exploração pelo setor privado com remuneração do setor público via pagamento de royalties e participações especiais, ainda que em valores bem superiores aos atuais), a antecipação dos recursos do pré-sal ocorreria pelo lançamento de títulos da União, por exemplo, lastreados no recebimento futuro de Participações Especiais decorrentes destas reservas.
Há, contudo, outras idéias sendo discutidas dentro do governo. Os recursos são tantos que poderiam, eventualmente, servir para dar "funding" ao BNDES em outros projetos de desenvolvimento que interessam ao país, na avaliação do ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge. Um integrante da área econômica que concorda com a idéia de antecipação defende, contudo, que é preciso ser parcimonioso nesse uso. Nestas operações, lembra, é preciso conceder taxas de desconto ao investidor. E os recursos já são abundantes. Em 2007 foram pagos R$ 14,7 bilhões entre royalties e participações especiais. Dados extra-oficiais indicam que esse valor pode somar R$ 30 bilhões no início da próxima década, sem o pré-sal.
A idéia de securitização, contudo, serve a outros propósitos. Entre eles, o de adotar um novo modelo de exploração, com ou sem nova empresa estatal. Em um modelo de partilha de produção, por exemplo, essa operação financeira permitiria alavancar parte do altíssimo custo de exploração e produção destas áreas. Isso já foi feito pela Petrobras no final da década de 90. Eram outros tempos - de caixa muito magro e barril quase de graça - e a própria companhia criou Sociedades de Propósitos Específicos (SPEs) para financiar (por meio de project finance) o desenvolvimento da produção de campos gigantes como Marlim e Albacora. E funcionou.
Para o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) - envolvido no debate do modelo de exploração do pré-sal -, o país caminha "provavelmente" para um sistema de partilha da produção dos campos de pré-sal ainda não concedidos. O "provavelmente", explica, é baseado na experiência internacional. Para o senador, não é necessária uma nova estatal para administrar o pré-sal. Basta uma estrutura muito enxuta, um escritório que contratará as empresas e administrará essas riquezas. O pagamento das empresas (responsáveis pelo investimento para tirar o pré-sal do fundo do mar) seria feito com parte da produção. Na sua visão deste modelo, ele prescinde de recursos públicos elevados para bancar os bilionários projetos (o banco UBS estimou esse montante em US$ 600 bilhões), pois isso seria responsabilidade das empresas contratadas.
Se não é preciso dinheiro público para bancar a exploração, para que serviria a securitização da riqueza do pré-sal? "Isso pode ser parte de uma solução alternativa para abater dívida pública, reduzir a carga tributária e, assim, elevar os investimentos públicos em infra-estrutura e na área social dentro da visão do governo que é a de maximizar o retorno, para a sociedade, desta riqueza", diz o senador. Mas ele faz uma ressalva. Ao mesmo tempo que é possível antecipar parte destes recursos e beneficiar a atual geração, é preciso um compromisso "intergeracional". O pré-sal, diz, estende-se por 160 mil km2, dos quais apenas 14 mil2 já estão concedidos.
O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) está começando a estudar modelos para o pré-sal e incluiu a discussão sobre a antecipação das receitas públicas oriundas desta riqueza nesta discussão "embrionária". Para Júlio Sérgio Gomes de Almeida, consultor do Iedi, algum mecanismo de securitização pode ser eficiente para a passagem entre os anos de 2010 e 2014. No fim deste período, os primeiros mega-campos já concedidos (como Tupi e Júpiter) poderão ter uma produção razoável e a União receberá um volume maior em participações especiais. Mas, antes que isso aconteça, parte desta riqueza poderia ser usada para financiar projetos de infra-estrutura e até o desenvolvimento da própria "economia do petróleo", diz Almeida, em referência à necessidade de incentivar toda uma cadeia de fornecedores locais para a Petrobras e companhias do setor. Isso ajudaria, acrescenta, a desenvolver um modelo capaz de neutralizar o risco de que o país venha a desenvolver, em função da imensa riqueza do pré-sal, a "doença holandesa". Por esta, a futura exportação do petróleo brasileiro provocaria tal desequilíbrio cambial que afetaria a competitividade de outros setores da indústria. "Poderíamos antecipar soluções para este problema", argumenta.
A discussão é pertinente. Mas colocá-la em prática - ainda que se pense neste mecanismo para 2010 ou 2011 e não para já - passa pela pergunta que vale não US$ 1 bilhão, mas dezenas de bilhões de dólares: qual é o tamanho das reservas que existem no pré-sal. 50 bilhões de barris? 70 bilhões? Estes estudos não são feitos pela União, eles só prosperam quando um campo é concedido. No novo modelo, com antecipação, quem bancaria esses estudos?
Denise Neumann é editora de Brasil. O titular desta coluna, Cláudio Haddad, que escreve quinzenalmente às quintas-feiras, está em férias
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