Relutância da Casa Branca em fazer concessões é alvo de críticas de europeus e brasileiros
Jamil Chade, GENEBRA
Europa e Brasil insinuam que o governo americano poderia ter feito um esforço extra para chegar a um acordo. No ato final da Rodada Doha, o que marcou o processo foi a relutância da Casa Branca em fazer concessões. No lado oposto da mesa, a situação não era mais fácil. Indianos, chineses e um grupo de países emergentes davam demonstrações de que não aceitariam a conclusão da Rodada sem um mecanismo que permitisse a adoção de salvaguardas caso houvesse um surto de importações de produtos agrícolas.
De todos os pontos críticos das negociações, poucos previam que fosse esse o assunto que faria os sete anos de negociação desabar. "Se alguém de outro planeta avaliasse a situação que vivemos e visse todo o progresso que fizemos nos últimos dias, simplesmente não acreditaria que foi por causa de salvaguardas aos produtos agrícolas que tudo acabou", disse o chanceler Celso Amorim.
Oficialmente, o problema foi a relutância da Índia e da China em abrir seu mercado agrícola. Nova Délhi insistiu até o fim na criação de um mecanismo que permitisse novas barreiras caso houvesse um surto de importação de alimentos. O Brasil, apesar de ser um exportador e de ser afetado pela medida, concordou com a barreira, para salvar o processo.
O problema, no final, é que os indianos queriam impor uma sobretaxa de 30 pontos porcentuais todas as vezes que a importação subisse 10%. Na prática, isso fecharia o mercado agrícola dos países que mais crescem hoje no mundo: China e Índia.
Para os emergentes e mesmo para os europeus, a culpa teria sido do governo americano em não flexibilizar sua posição e permitir que os emergentes mantivessem certas salvaguardas. A Casa Branca queria que o pacote proposto pela Organização Mundial do Comércio (OMC) na última semana fosse aprovado sem modificação.
Washington aceitou limitar os subsídios agrícolas em US$ 14,5 bilhões, perto do número defendido pelo Brasil. Mas fez exigências. Queria acesso aos mercados emergentes para as exportações agrícolas e o direito de impor salvaguardas apenas quando a exportação aumentasse mais de 40% por ano.
O lobby agrícola americano não teria dado o sinal verde para a administração republicana fazer concessões. "Os americanos desenharam uma linha no chão e avisaram: daqui não passamos", disse Peter Mandelson, comissário de Comércio da UE. Ele não hesita em jogar toda a culpa sobre os EUA. "Hoje, os americanos têm a lei de subsídios mais reacionária de sua história e seria apenas enfrentada com um acordo na OMC."
TÁTICA
Amorim e outros ministros chegaram a insinuar que o impasse na questão das salvaguardas pode ter sido apenas uma maneira tática de os americanos impedirem que o processo avançasse nos temas ainda mais complicados, entre eles os subsídios ao algodão.
Já Pequim queria aproveitar a Rodada para renegociar seu tratado de adesão à OMC, de 2001. Na época, os chineses se queixaram do tratado, que exigiu cortes em suas tarifas. Agora, queriam manter intocadas as taxas para algodão, têxteis, açúcar e outros produtos agrícolas. E ainda se recusavam a abrir o mercado de forma ampla para bens industriais de americanos e europeus, principalmente no setor de químicos, máquinas e automóveis.
A Índia julgou que não poderia pôr em risco os seus pequenos agricultores - cerca de 650 milhões - em troca de um acordo. Isso principalmente em ano de eleições. O ministro do Comércio da Índia, Kamal Nath, atacado por partidos de oposição no seu país, manteve o quanto pôde a posição de insistir em altas barreiras ao setor.
Politicamente, porém, o sinal do fiasco é bem maior que o resultado econômico. A negociação lançada como forma de corrigir as distorções no comércio internacional e dar maiores benefícios aos países emergentes serviu de exemplo de como será difícil obter outros entendimentos. Outros acordos, como o de mudanças climáticas, poderão levar anos até que haja um consenso internacional.
"Se não conseguimos fechar esse acordo, que basicamente é de números, não sei como faremos para ter um entendimento sobre mudanças climáticas", alertou Amorim. Mandelson tem a mesma opinião. "Esse era o (acordo) mais fácil. Perdemos a grande oportunidade de mostrar que o sistema multilateral poderia funcionar."
REAÇÕES
Pascal Lamy
Diretor-geral da OMC
"Vamos tentar fazer o máximo para preservar os avanços dos últimos sete anos, entre eles o compromisso de eliminar os subsídios à exportação até 2013"
Peter Mandelson
Comissário da União Européia para o Comércio
"Será difícil manter a Rodada Doha intacta. Não está em nosso poder preservar avanços diante da crise e de interesses protecionistas"
Se houvesse vontade política, teríamos tido um acordo (em mais uma acusação à posição dos Estados Unidos nas negociações) "
Susan Schwab
Representante americana do Comércio
"Há poucos dias, estávamos tão perto de um acordo. Mas, lamentavelmente, não conseguimos avançar"
Celso Amorim
Chanceler brasileiro
"Não havia como ter uma aterrissagem suave (anunciar o fim do processo de forma diplomática), o que aconteceu foi um acidente aéreo"
"Ninguém saiu contente. Talvez, alguns aliviados. Mas todos sabem as conseqüências das decisões que tomaram"
Kamal Nath
Ministro indiano do Comércio
"A confiança do meu país na Organização Mundial do Comércio e no sistema multilateral permanece intacta e estou seguro de que podemos superar isso e alcançar nosso objetivo"
Marcos Jank
Presidente da Unica
"O fracasso é um desastre. O que ocorreu interrompeu um entendimento no etanol"
Pedro de Camargo Neto
Presidente da Abipecs
"A falta de um acordo não representa nenhum desespero. Os ganhos que foram oferecidos e estavam na mesa se perderam, mas retrocessos também não poderiam acontecer"
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*12/24/24 - Albert Einstein famously observed that "We cannot solve our
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