Por Fábio Augusto Reis Gomes e Cleomar Gomes
Em seu primeiro relatório trimestral de inflação de 2008, o Banco Central (BC) divulgou um estudo sobre a taxa natural de desemprego no Brasil. Tecnicamente denominada Nairu, esta taxa é a representação teórica do menor nível de desemprego que não gera pressões inflacionárias. Esta informação seria fundamental para a formulação de políticas econômicas, pois daria à autoridade monetária uma noção adicional do potencial da economia brasileira, além das habituais estimativas de produto potencial, que é o nível máximo de produção que não gera inflação. São conhecidos os problemas advindos das tentativas de se calcular o produto potencial de uma economia via técnicas econométricas ou via Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci). Este, além de problemas típicos de mensuração, é focado no setor industrial e não considera, por exemplo, o setor de serviços, cuja importância é cada vez maior.
O estudo do BC utiliza dados do IBGE referentes ao período 1985 a 2007 e estima uma taxa natural de desemprego em torno de 7,4%. No entanto, como argumentado no próprio trabalho, a Nairu brasileira pode não ter sido constante neste período. Prova disso é que os dados apresentados mostram uma taxa de desemprego com pelo menos três patamares distintos. Esta caracterização pode ser parcialmente explicada por quebras estruturais na Nairu advindas, por exemplo, de alterações em fatores demográficos e/ou questões legais.
De qualquer forma, relevando estes problemas, a hipótese de estabilidade no desemprego brasileiro teria validade somente se não ocorresse o fenômeno da histerese. Desenvolvida pelos economistas Olivier Blanchard e Lawrence Summers em um estudo datado de 1986 para a região européia, a hipótese de histerese estabelece que um desaquecimento longo da economia afetaria a taxa natural de desemprego, tornando-a mais elevada e causando uma persistência na mesma. Uma das razões para este fenômeno seria a deterioração das habilidades do trabalhador demitido, que teria seus conhecimentos específicos defasados ao ficar muito tempo fora do mercado de trabalho. Uma segunda razão, também uma decorrência da primeira, seria o desemprego por desalento, isto é, o ajuste do desempregado ao novo estilo de vida. Outra possibilidade seria o poder de barganha dos trabalhadores. Por exemplo, os trabalhadores sindicalizados (insiders) teriam seus postos de trabalho e seus maiores salários defendidos pelas suas entidades sindicais, em detrimento dos trabalhadores desempregados (outsiders).
Desta maneira, a hipótese de histerese assegura que a taxa de desemprego de equilíbrio de longo prazo depende também do nível corrente de desemprego e, por conseguinte, não seria fixa. Conseqüentemente, desconsiderar esta possibilidade é algo comprometedor para as estimativas de uma taxa natural de desemprego. Isso pode ter sido justamente uma das causas da dificuldade encontrada pelo estudo do Banco Central para precisar a taxa natural de desemprego para o Brasil.
Para não nos atermos somente a uma discussão teórica sobre o assunto, reportaremos os principais resultados de dois trabalhos recentes sobre histerese e Nairu, ambos de autoria dos economistas que assinam este artigo. O primeiro estudo foi baseado nos dados da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE para o período entre 1985 e 2001. Neste caso, os resultados dos testes efetuados mostraram que a taxa de desemprego nacional sofreu uma persistência considerável, estando longe de ser uma Nairu. Quanto aos resultados desagregados para as seis principais regiões metropolitanas do Brasil, foi constatado um processo de histerese em São Paulo, Minas Gerais, Porto Alegre, Recife e Salvador, sendo o Rio a única exceção.
Para se ter uma visão mais pormenorizada do assunto, também foram analisados os números mensais referentes à taxa de desemprego aberto da região metropolitana de São Paulo, além das desagregações para sexo, posição na família, cor e idade. Neste caso, os dados foram coletados da pesquisa Seade/Dieese para o período de 1983 a 2007. Os resultados mostraram uma certa persistência no desemprego, com mais vigor para os trabalhadores mais jovens (entre 15 e 18 anos) e para trabalhadores com mais de 40 anos. Ou seja, os mais jovens, pela falta de experiência e capacitação, e os mais velhos, pela idade, sofreriam mais intensamente as conseqüências do fenômeno da histerese.
Em suma, estes resultados trazem lições interessantes para a discussão de taxa natural de desemprego no Brasil. Primeiramente, a presença ainda forte do fenômeno da histerese acarreta uma dificuldade adicional à redução do desemprego, além de ser um complicador extra para o cálculo da Nairu. Mais do que isso, a estimativa de uma taxa natural de desemprego fica comprometida devido às dimensões continentais do Brasil e a conseqüente heterogeneidade das diferentes regiões metropolitanas em relação ao fenômeno do desemprego. Uma evidência disso é o comportamento diferenciado do Rio de Janeiro em relação às demais regiões metropolitanas. Além disso, os diferentes estratos da população respondem de maneira distinta ao problema do desemprego.
Sem dúvida, a persistência trazida pelo fenômeno da histerese aponta para uma maior taxa de sacrifício do combate à inflação, cujo controle e vigilância são fundamentais ainda mais no atual período de alta dos níveis de preços em todo o mundo.
Certamente, a solução para o problema de persistência nas taxas de desemprego no Brasil passaria por soluções de mais longo prazo como, por exemplo, melhorias das leis trabalhistas e do nível de educação do brasileiro médio. Como tais reformas acontecem a passos lentos no Brasil, no curto prazo seria importante melhorar a condução de sua política fiscal no sentido de aliviar a política monetária e propiciar reduções nas taxas de juros que impulsionem o emprego.
Fábio Augusto Reis Gomes professor do Ibmec São Paulo.
Cleomar Gomes é professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo.
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