Alex Ribeiro, de Brasília
O Banco Central fez um ajuste nas regras sobre os recolhimentos compulsórios incidentes nos depósitos bancários, o décimo desde o início da atual crise de liquidez, para evitar o surgimento de incertezas que pudessem pressionar os juros do mercado. De quebra, a medida recompõe em R$ 40 bilhões a demanda por títulos públicos em um período em que o Tesouro Nacional paga mais caro para rolar sua dívida.
Circular editada ontem pela manhã muda a forma como os bancos recolhem ao BC o chamado depósito compulsório adicional sobre depósitos à vista, a prazo e poupança. Antes, os bancos faziam o recolhimento em dinheiro, e recebiam do BC remuneração pela taxa Selic. Agora, o recolhimento será feito em títulos públicos, que pagam basicamente a taxa Selic aos bancos. Os bancos são obrigados a recolher compulsoriamente ao BC 5% dos recursos captados sob a forma de depósitos à vista e a prazo e de 10% dos depósitos em caderneta de poupança. Hoje, esses compulsórios somam R$ 40 bilhões. Esse dinheiro não será liberado aos bancos, ao contrário do que fez o BC em medidas anteriores, que injetaram R$ 56 bilhões no sistema financeiro.
Também permanece inalterada a remuneração paga aos bancos, que era a Selic no sistema antigo e continua sendo a Selic no novo. A diferença é que, agora, para cumprir a exigência dos compulsórios, os bancos terão que ir a mercado para comprar R$ 40 bilhões em títulos públicos. Um dos efeitos da medida, portanto, é aumentar a demanda por papéis do Tesouro e, assim, evitar a alta dos juros pagos pelo governo para financiar sua dívida.
Ontem, fontes oficiais explicavam que, com a circular, o governo está apenas procurando corrigir uma distorção causada no mercado de títulos públicos por outras medidas relacionadas aos compulsórios adotadas anteriormente. Em particular, a circular nº 3.417, editada em 30 de outubro, que estabeleceu punição para grandes bancos que não comprarem carteiras de crédito de instituições financeiras menores. Um efeito colateral dessa medida foi reduzir, de uma hora para outra, em R$ 30 bilhões a demanda por títulos. Agora, essa demanda está sendo recomposta.
A circular nº 3.417 diz que bancos que não usarem dinheiro liberado dos compulsórios sobre depósitos a prazo na compra de carteiras serão punidos com o corte de remuneração sobre os próprios compulsórios. Antes, os bancos tinham que cumprir esses compulsórios em títulos públicos e, a partir de hoje, estariam obrigados a fazer o recolhimento em dinheiro vivo.
Os bancos compraram volume reduzido de carteiras (os negócios concretizados de fato somavam R$ 5,778 bilhões, e outros R$ 4,430 bilhões estavam sob análise pelo BC), e hoje entra em vigor a punição fixada pelo governo. Na prática, isso significa que, entre ontem e hoje, os bancos iriam se desfazer de algo como R$ 30 bilhões em títulos públicos. Um movimento grande e brusco de venda como esse, na visão do BC, poderia gerar ainda mais incerteza num mercado que ainda se recupera dos efeitos da crise.
Uma amostra do estresse que poderia contaminar o mercado foi dada na semana passada, quando, diante apenas da expectativa de venda de títulos pelos bancos para cumprir as exigências de compulsórios, a curva de juros do Tesouro chegou a subir, embora tenha recuado nos dias seguintes. O receio maior da autoridade monetária era que eventual alta dos juros dos títulos públicos fosse transmitida para a curva de juros futuros, que serve de referência para os negócios fechados no setor privado.
Em períodos de normalidade, na visão do BC, não haveria a necessidade de recompor a demanda por títulos públicos. O mercado se ajustaria, puxando os juros temporariamente e retomando a normalidade mais adiante. No momento atual, porém, o ideal é que a política de compulsórios mantenha a neutralidade, agindo apenas para criar os incentivos corretos para combater a crise de liquidez bancária. De qualquer forma, é fato que, embora o objetivo maior da circular editada ontem seja evitar o surgimento de novos focos de estresse, o Tesouro acaba sendo beneficiado com a manutenção da demanda cativa por seus títulos.
Desde setembro, o Tesouro vem enfrentando algumas dificuldades na rolagem da sua dívida, embora até agora não tenham sido de magnitude suficiente para criar desvios no seu plano anual de financiamento. Em setembro e outubro, as operações primárias da dívida pública, ou seja, os resgates e emissões feitas pelo Tesouro, provocaram uma emissão monetária líquida de R$ 33,276 bilhões, segundo dados divulgados pelo BC nas suas estatísticas monetárias. Investidores vêm exigindo juros mais altos para comprar papéis do Tesouro. As taxas ficaram mais altas, em especial, devido à saída de investidores estrangeiros do mercado doméstico de títulos.
O quadro vinha sendo agravado pela liberação dos depósitos compulsórios pelo BC. Nessa crise de liquidez, o BC privilegiou a liberação de compulsórios sobre depósitos a prazo, que, até ontem, eram recolhidos 100% em títulos públicos. As estimativas do governo são de que as diversas medidas adotadas até agora reduziram a demanda por título públicos em R$ 50 bilhões. Por esses cálculos, mesmo com a circular editada ontem, que cria um mercado de R$ 40 bilhões para os títulos, o corte de compulsórios representa uma queda líquida de demanda dos papéis do Tesouro.
Ao longo dos anos, a necessidade de manter demanda cativa por títulos públicos tem sido um dos fatores que impedem o corte das alíquotas de recolhimento compulsório. Outro fator que, historicamente, pesa contra a redução de compulsórios é o fato de o país ter altos juros reais. Os compulsórios são um instrumento de política monetária que concorre com os juros. Quando a inflação está sob controle, o BC prefere reduzir juros, que são muito altos no país e têm efeitos mais conhecidos sobre a demanda agregada, do que cortar alíquotas dos compulsórios.
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