Cristiano Romero, de Brasília
Para atenuar os efeitos da crise financeira internacional sobre a economia brasileira, o governo deveria acelerar a liberação dos depósitos compulsórios feitos pelos bancos no Banco Central (BC) e fazer um ajuste fiscal anticíclico, preservando os investimentos públicos em infra-estrutura e cortando outras despesas correntes. As opiniões, convergentes, são de dois economistas de correntes de pensamento distintas - o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, e o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga. Ontem, os dois debateram a crise na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE).
Belluzzo disse que, neste momento, o governo não deve fazer um ajuste pró-cíclico, ou seja, aumentar o esforço fiscal em meio à desaceleração da economia. "Poderia ser desastroso", alertou. Na sua opinião, o governo deve controlar a evolução dos gastos correntes, mas mantendo a política de investimentos em infra-estrutura. Esta seria a contribuição fiscal para manter "minimamente" os níveis de renda e emprego em meio à crise.
"Se o gasto privado cair rapidamente, não há como não fazer o anticíclico", disse Belluzzo, um dos conselheiros informais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele lembrou que há seis meses, antes da eclosão da fase mais aguda da crise externa, defendeu a adoção de medidas para conter o crédito e aumentar o esforço fiscal, iniciativa que facilitaria agora a implementação de um ajuste anticíclico.
Fraga, hoje o principal sócio da Gávea Investimentos, também acredita que este não é o momento para fazer ajuste fiscal, mas sugeriu que o governo administre as expectativas, sinalizando a realização de reformas voltadas para a sustentação das contas públicas no longo prazo. "Não defendo arrocho fiscal no curto prazo, mas são necessárias reformas para diminuir o tamanho do Estado e o déficit previdenciário", ponderou. "O ideal é ter um olhar para o futuro. Não dá para ficar esperando para fazer as reformas."
O ex-presidente do BC concorda que o momento exige uma atuação anticíclica do governo para atenuar os choques sofridos pela economia, mas lembrou que não há muito espaço para fazer isso, ao contrário do que acontece em países como a China, onde o governo não tem dívida, mas uma posição credora equivalente a 30% do PIB. No caso brasileiro, as receitas públicas diminuirão por causa da crise, enquanto os gastos correntes não param de crescer. "Agora, o espaço (para medidas anticíclicas) é limitado", comentou.
Idealizador do debate na CAE, o presidente da comissão, senador Aloísio Mercadante (PT), concordou com Fraga e Belluzzo e ainda criticou a política salarial do governo, que encaminhou ao Congresso propostas que aumentarão essa despesa em R$ 32 bilhões até 2012. "Não dá para continuar com a política salarial que a gente tinha. Não temos mais margem fiscal para isso", criticou o senador, que decidiu transformar a CAE num foro para de debater a crise. Mercadante defendeu a negociação de um pacto político para votar medidas anticrise e mencionou a reforma tributária, a criação do Cadastro Positivo e ações para reduzir os gastos correntes. "O Congresso precisa assumir a agenda da crise."
A economia mundial, segundo Fraga, sofrerá uma recessão prolongada, mas poderá voltar a crescer daqui a dois anos, à taxa de 3,5% ao ano, face aos 4,5% que vinha expandindo nos últimos anos. Na China, o crescimento deve cair de 12% para 7% ou 5% ao ano, o que "é uma espécie de recessão". No Brasil, de 5% para algo entre 2% e 3%. "A sensação (de recessão) será a mesma", observou. Ele recomendou "paciência" com a taxa básica de juros (Selic), que está em 13,75% ao ano. Uma boa parte dessa taxa reflete a fragilidade fiscal, mas Fraga aposta que, em dois anos, com o crescimento menor do crédito e a melhora do balanço de pagamentos, haverá um espaço "surpreendente" para redução.
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