Martin Wolf
Ao eleger Barack Hussein Obama para a presidência, o povo americano escolheu um intelectual, um profeta da unidade, um homem de pai queniano negro e mãe americana branca. A população, ao mesmo tempo, rejeitou a política do medo e da divisão, que tantos danos causaram ao país.
Sou um entre bilhões de pessoas que se encontram surpresos e deleitados com o acontecimento. A eleição, porém, é apenas o começo. Poucos presidentes se depararam com desafios maiores do que Obama. Entre eles, é preciso incluir dois dos mais importantes - Abraham Lincoln e Franklin Delano Roosevelt. Obama considera-se herdeiro de ambos. A questão é se conseguirá aproximar-se do elevado patamar atingido por eles.
A agenda do novo presidente intimida. O poder de seu país também se encontra reduzido. Na verdade, nunca foi tão grande como acreditavam os que falavam em um "momento unipolar". Os Estados Unidos, no entanto, continuam a maior potência e o único líder do mundo. Possuem recursos sem igual. A presidência de George W. Bush foi uma lição de como não usá-los. A presidência de Obama agora precisa ser o oposto.
Os acontecimentos moldarão as prioridades de Obama. Um desses eventos, contudo, já está aqui: o mundo está entrando em uma recessão, possivelmente a pior desde a Segunda Guerra Mundial. Porém, ele precisa enfrentar esse desafio de maneiras que preservem o que está entre um dos maiores feitos de seus predecessores: uma economia mundial aberta. Foi sob o comando de Roosevelt e Harry Truman, ambos democratas, que os EUA começaram a encaminhar o mundo para longe das políticas autárquicas dos anos 30. Os EUA agora não podem virar as costas ao mundo que modelaram. Contudo, é justamente isso que poderá ocorrer, se não promover reformas criativas e radicais, domésticas e externas.
No curto prazo, não há alternativa a não ser outro impulso fiscal maciço, com o forte reforço de uma política monetária agressiva. Os responsáveis por fazer previsões vêm reduzindo suas estimativas para os EUA e resto do mundo de forma extraordinariamente rápida. Na semana passada, o FMI reduziu a projeção de crescimento econômico mundial em 2009, de acordo com as taxas de câmbio de mercado, do índice de 1,9% previsto recentemente, em outubro, para apenas 1,1%. Para as economias avançadas, a previsão é de retração de 0,3%.
Um déficit fiscal maior nos EUA neutralizaria o aumento no almejado superávit financeiro - quando a renda supera os gastos - no setor privado em tempos de recessão. No início dos anos 80, o superávit do setor privado chegou a 6% do PIB. Os EUA, contudo, também provavelmente teriam déficit em conta corrente de 4% do PIB, com alto nível de emprego. Como a soma das contas privadas, externas e do governo precisa dar zero, o déficit fiscal poderia ter de ser imenso, de até 10% do PIB.
Tais déficits fiscais são apenas uma solução temporária. Então, como devem terminar? Nos EUA e outros países com setores privados altamente endividados, como o Reino Unido, a volta a grandes déficits financeiros do setor privado seria altamente indesejável, mesmo se fosse possível. Um resultado amplamente melhor seria uma maior poupança e a redução dos déficits em conta corrente. Portanto, a expansão das exportações líquidas que recentemente vem sendo tão vital para o crescimento dos EUA precisa continuar.
Se quisermos que a correção externa dos EUA seja consistente com o crescimento mundial, a demanda precisa expandir-se com vigor nos outros países, particularmente nos que apresentam superávit crônico. O novo governo deveria levar o mundo em direção à compreensão de um ponto que preocupava John Maynard Keynes: é difícil acomodar países com superávits em conta corrente grandes e persistentes. Os déficits homólogos, se prolongados, quase sempre levam a crises financeiras. A saída é que os países com maior superávit gastem mais internamente. O programa de expansão anunciado pelo governo chinês nesta semana é apenas um começo. Em vez de contemplar a idéia de proteção, o governo Obama precisa centrar-se nos desequilíbrios mundiais. A forma imediata de lidar com este desafio é demandar um estímulo fiscal mundial, com os países de superávit executando os maiores pacotes.
O terceiro elemento no programa para lidar com a atual crise já está em andamento - o financiamento de economias de países emergentes em dificuldade. O Federal Reserve assumiu a dianteira com a criativa medida de ampliar as trocas cambiais com bancos centrais de alguns países emergentes. A prática, contudo, precisa ser algo generalizado. O que se precisa é uma versão bastante ampliada do acordo geral de empréstimos, por meio do qual os países fornecem créditos ao FMI para o repasse de recursos.
O legado de Obama precisa ser muito mais do que uma gestão de crise, embora isso seja importante. Ele também precisa assegurar reformas mais profundas. Ele esta certo em sua crença de que uma rede de segurança melhor - assistência médica universal, seguro-desemprego mais generoso e maior apoio aos que têm salários menores - é uma condição necessária para a aceitação das mudanças trazidas pela concorrência mundial. Isso - e não conceder subsídios para gigantes falidos, como a General Motors - é a coisa certa a se fazer.
Isso significa a disposição de aceitar que os EUA precisarão elevar o nível médio de impostos que, pelos padrões dos países de alta renda, é muito baixo. Obama deveria começar com a taxação da energia: um preço maior pelos combustíveis fósseis é uma condição necessária para planos de promoção da eficiência energética, redução da dependência das importações e redução das emissões de carbono. Pessoalmente, acredito que chegou a hora de os EUA contemplarem um imposto nacional sobre o valor agregado em vez de depender tão pesadamente do imposto de renda.
Tão importante quanto essas reformas domésticas será o engajamento dos EUA em negociações mundiais. Uma imensa área é a das mudanças climáticas - assunto para uma próxima coluna. Outra é a reforma do FMI. No entanto, em minha opinião, o desafio mais imediato é o que fazer quanto à regulamentação financeira. A grande lição desta crise é que as autoridades monetárias não entenderam o que faziam durante a era da desregulamentação. Em vez de voltar a regulamentar de forma precipitada, a solução adequada é criar uma comissão de alto gabarito, encarregada de propor reformas da estrutura financeira e da regulamentação nas esferas doméstica e global. Obama até tem entre seus assessores o nome mais óbvio para presidir essa comissão: Paul Volcker, o renomado ex-presidente do Federal Reserve.
Obama precisa, acima de tudo, avançar a partir dos feitos de seus predecessores e não afastar os EUA do mundo. Ele precisa pressionar por reformas que ajudem a maioria dos americanos a ganhar com o aumento da concorrência mundial. Ele precisa promover reformas no exterior que façam a economia global funcionar melhor. A crise apresenta-lhe um desafio e uma oportunidade. Para aproveitá-la, precisará tornar-se um dos maiores presidentes de seu país. Qualquer coisa aquém disso será um fracasso com o qual nem os EUA, nem o mundo podem arcar atualmente.
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