Raquel Landim e Sergio Lamucci, de São Paulo
Em uma reunião sem grandes resultados concretos para a reforma da arquitetura financeira global, os ministros de Finanças e presidentes dos bancos centrais do G-20 recomendaram a adoção de políticas anticíclicas para combater a crise, destacando a expansão dos gastos públicos e a importância de estímulos monetários. Embora as preocupações com a inflação não tenham sido aposentadas, o comunicado do grupo que reúne os 19 países mais industrializados do mundo e a União Européia (UE) deixa claro que a prioridade agora é impulsionar o crescimento mundial em meio à mais grave crise financeira desde 1929.
Durante o encontro, o Brasil e os principais países em desenvolvimento insistiram na necessidade de aumentar a sua participação nas instituições de governança global, mas a idéia foi vista de modo reticente por países ricos como Estados Unidos e França. O governo brasileiro apresentou um documento em que propõe o fortalecimento do G-20, elevando o nível do grupo de um fórum de ministros de Finanças e banqueiros centrais para chefes de Estado e de governo. O Brasil também defendeu o fortalecimento do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, desde que isso implique mudanças que elevem o peso dos emergentes na instituição.
Depois de anos propondo recomendações de austeridade, os países reconheceram que as políticas fiscais são importantes instrumentos para enfrentar os impactos da crise financeira, que deve provocar uma recessão no mundo desenvolvido. Segundo o comunicado final, a recente desaceleração da economia mundial e a redução dos preços das commodities reduziram as pressões inflacionárias, especialmente nos países ricos, e permitiram cortes coordenados de juros nos Estados Unidos, Inglaterra, Suécia, China e UE.
"Existe uma tendência para queda de preços na maioria dos países. O perigo maior hoje é de uma deflação e não de uma inflação", disse o ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega. Ele acrescentou que os países emergentes que sofrem com a saída de capitais e desvalorização das moedas terão movimento inflacionário, mas que isso será "localizado e momentâneo". Os ministros consideraram bem-vindos os pacotes de estímulos fiscais já tomados recentemente por alguns governos, como os dos Estados Unidos, Japão e alguns países europeus - ontem, foi a vez da China, que anunciou um pacote fiscal de US$ 586 bilhões, para investimento em infra-estrutura e bem estar social. Entre os demais emergentes, porém, o tema é controverso, pois muitos não têm situação fiscal das mais sólidas.
Ao comentar a situação brasileira, Mantega disse que também há disposição do governo "para fazer políticas anticíclicas". Ele afirmou, no entanto, que o país ainda não teve uma queda do nível de atividade que justifique medidas mais fortes nesse sentido. O ministro brasileiro lembrou que o governo já adiou por alguns dias o pagamento de alguns tributos. "Isso dá um alívio para as empresas", disse. Mantega também destacou que, se for necessário, o Brasil poderá aumentar os investimentos públicos, embora tenha lembrado que o país terá queda de arrecadação com o enfraquecimento da economia. Mesmo assim, disse que a intenção do governo é manter o cumprimento das metas fiscais de superávit primário definidas para 2008 e 2009.
Mantega falou também sobre as perspectivas para a política monetária, ainda que de modo cauteloso. Ele reiterou que alguns emergentes podem sofrer com pressões inflacionárias devido à desvalorização do câmbio, mas destacou que, a médio e longo prazo, a perspectiva é de queda de inflação. "Aqui no Brasil, as autoridades monetárias saberão regular adequadamente a política de juros para enfrentar esse novo cenário para a economia brasileira." Segundo ele, todos concordam, "inclusive o BC", que a perspectiva é de queda da demanda, o que faz o temor com a inflação "ceder lugar a outras preocupações". No fim, porém, ressaltou que "cabe ao BC decidir como especificamente a política de juros vai responder a essas novas necessidades".
O ministro de Economia e Produção da Argentina, Carlos Fernandéz, defendeu em discurso no evento que não pode haver "uma assimetria artificial" entre os países, com as nações ricas oferecendo liquidez "irrestrita" para suas economias, enquanto os países em desenvolvimento não recebem ajuda. Ele defendeu ajuda dos desenvolvidos aos emergentes. "É fundamental que os empréstimos sejam flexíveis e não imponham condicionalidades do passado", disse ele, referindo-se à política de financiamento do FMI.
A reunião do G-20, que aconteceu sábado e domingo em São Paulo, foi preparatória para o encontro de presidentes e chefes de governo, marcado para sábado em Washington. Ao longo da semana, os países vão tentar desenvolver uma agenda de assuntos e propostas para os presidentes. Mesmo esse encontro, porém, corre o risco de ficar esvaziado, já que os Estados Unidos vivem uma transição presidencial. O presidente eleito Barack Obama ainda não definiu se participará ou enviará um representante ao encontro.
O Brasil apresentou ontem uma proposta de governança financeira global. No documento de nove páginas, o governo brasileiro diz que "o G-7 não apresenta condições de liderar, de maneira efetiva, os principais temas mundiais". Segundo o país, o momento favorece a definição de um novo foro de diálogo político de alto nível, sobretudo em matéria econômica e financeira. "Essa é uma questão ainda não resolvida, mas o G-20 é um forte candidato a exercer um papel de liderança", admitiu Mantega.
O documento do governo brasileiro chega a falar em "instituir um regime de Bretton Woods 2I", mas a expressão parece mais retórica do que prática, pois o país não chega a sugerir o desmantelamento das atuais instituições de governança global, como o FMI e o Banco Mundial, definidas no fim da Segunda Guerra Mundial. O Brasil propõe a antecipação da próxima etapa de reforma de cotas e votos no FMI, prevista inicialmente para 2013, além de pedir a retomada de processo de reforma mais ambiciosa do Banco Mundial, com significativo poder de voto das economias emergentes. O governo brasileiro deixou claro que considera a representação do Fórum de Estabilidade Financeira (FSF) "seletiva e excludente".
O comunicado oficial do encontro reconhece que as instituições de Bretton Woods devem passar por uma reforma ampla para refletir o peso das economias mundiais, mas as declarações dos representantes dos países ricos foram evasivas. Em entrevista ao Valor, a ministra francesa Christine Lagarde disse que a recente reforma do FMI já demorou muito tempo e é preciso utilizar o que o mundo já tem instalado. O subsecretário de Assuntos Internacionais do Tesouro dos EUA, David McCormick, também afirmou que é preciso definir melhor o que é Bretton Woods 2. "Ao redor da mesa de reunião, não vi nenhum país defender uma reforma total do sistema, mas apenas aperfeiçoamento."
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