Fernando Ferrari Filho e Luiz Fernando de Paula
A internacionalização do sistema financeiro tem alterado substancialmente a natureza e os determinantes da dinâmica econômica mundial: a conjugação entre a desregulamentação dos mercados financeiros e inovações financeiras - tais como securitizações e derivativos - a livre mobilidade de capitais e a flexibilidade e a volatilidade das taxas de câmbio e de juros têm, por um lado, limitado a ação das políticas macroeconômicas domésticas e, por outro, sido responsáveis tanto pelas freqüentes crises de balanço de pagamentos das economias emergentes, quanto pelas crises de liquidez e solvência, como a recente crise financeira internacional.
Este processo de globalização financeira, em que os mercados financeiros são integrados de tal forma a criar um "único" mercado mundial de dinheiro e crédito, acaba, por sua vez, diante de um quadro em que inexistem regras monetário-financeiras e cambiais estabilizantes e os instrumentos tradicionais de política macroeconômica tornam-se crescentemente insuficientes para conter os colapsos financeiros (e cambiais) em nível mundial, resultando em crises de demanda efetiva.
J. M. Keynes, em sua "Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda", de 1936, já chamava a atenção para o fato de que, em economias monetárias da produção, a organização dos mercados financeiros enfrenta um trade-off entre liquidez e investimento: por um lado, eles estimulam o desenvolvimento da atividade produtiva ao tornar os ativos mais líquidos, liberando, portanto, o investidor da irreversibilidade do investimento; por outro, aumenta as possibilidades de ganhos especulativos. Assim, ao estabelecer uma conexão entre os mercados financeiro e o lado real da economia, Keynes, na Teoria Geral, escreveu que "a posição é séria quando o empreendimento torna-se uma bolha sobre o redemoinho da especulação. Quando o desenvolvimento das atividades de um país torna-se o subproduto das atividades de um cassino, o trabalho provavelmente será mal-feito".
Indo ao encontro de Keynes, nos dias de hoje, a ação dos global players, em um mercado mais liberalizado e integrado, faz com que os mercados financeiros convertam-se em uma espécie de grande cassino global. Especulação, em uma economia global, tem caráter disruptivo não somente em mercados domésticos, mas sobre países como um todo, criando uma espécie de cassino financeiro ampliado.
Na perspectiva keynesiana, instabilidade financeira não é vista como "anomalia", mas como resultante da própria forma de operação dos mercados financeiros em um sistema no qual não existe uma estrutura de salvaguarda que exerça o papel de um market maker global. Assim, o formato institucional específico dos mercados financeiros determina as possibilidades de se ter um ambiente em que a especulação possa florescer. Crises financeiras não são apenas resultados de comportamentos "irracionais" dos agentes, mas resultam da própria forma de operação dos mercados financeiros globais liberalizados e sem um sistema de regulação adequado.
A atual crise financeira internacional, originada pelas perdas causadas pelo crescente default dos empréstimos das hipotecas do mercado americano de subprime e dinamizada em termos globais, uma vez que grande parte dessas hipotecas foi securitizada e distribuída a investidores do mercado global, nos induz a duas reflexões. Em primeiro lugar, ela põe em xeque os benefícios concretos da globalização financeira, com mercados financeiros desregulados, inclusive nos países desenvolvidos. Em segundo lugar, ela nos remete, a partir das medidas de natureza fiscal e monetária implementadas pelos EUA e países da Zona do Euro e do Japão - tais como injeção de liquidez e de capital nos sistemas financeiros por parte das autoridades econômicas destes países e a redução sincronizada da taxa básica de juros dos principais bancos centrais mundiais - para se evitar uma recessão econômica aguda, tanto a repensar o próprio papel do Estado na economia quanto à necessidade de re-regulamentar os sistemas financeiros domésticos e reestruturar o sistema financeiro mundial (SFM).
Em relação à primeira questão, como os mercados financeiros desregulamentados não são eficientes, na ausência de regras que estabilizem o referido mercado, as atividades especulativas e a valorização financeira da riqueza afloram naturalmente. Isto porque a liberalização dos mercados financeiros e a existência de novos instrumentos financeiros (como derivativos) ampliaram a possibilidade de realização de atividades especulativas. Torna-se, assim, necessária a regulamentação de operações derivativas "exóticas" e outras práticas (por exemplo, alavancagem excessiva de instituições financeiras) que ocasionam a "festa dos investidores e bancos".
Quanto à segunda questão, a lição da crise atual é que não somente a ação estatal é fundamental para prevenir ou remediar a crise, como é necessária, sobretudo em momentos críticos, uma maior coordenação global entre as diferentes políticas nacionais, em particular dos grandes países desenvolvidos. Assim sendo, pode-se dizer que há um certo consenso entre economistas e policymakers de que medidas para restaurar a estabilidade do SFM são necessárias. Todavia, infelizmente, não há um consenso acerca de como o referido sistema deve ser reestruturado.
Para os economistas do mainstream, um SFM eficiente para os países é aquele constituído por regimes cambiais flexíveis, maior mobilidade de capitais e maior liberalização financeira dos mercados, pois tais medidas equilibram, automaticamente, os balanços de pagamentos, alocam eficientemente as poupanças e melhoram a performance econômica. Por outro lado, a necessidade de se preservarem a autonomia das políticas fiscal e monetária dos países - essenciais para asseguraram trajetórias de crescimento econômico sustentável - tem reforçado o ponto de vista de economistas keynesianos de que é necessária a criação de uma espécie de International Market Maker para garantir a liquidez internacional para expandir a demanda efetiva mundial e coibir a livre mobilidade dos fluxos de capitais especulativos, condições fundamentais para que a economia mundial possa voltar a experimentar períodos mais duradouros de crescimento do produto e do emprego.
No pêndulo das posições, não resta dúvida de que a atual crise financeira internacional deixa claro que os mercados não são eficientes e que, portanto, é necessária a mão visível do Estado para assegurar a "funcionalidade" da mão invisível do mercado.
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