segunda-feira, 14 de julho de 2008

A inflação é a mesma

Delfim Netto

Estamos diante de uma inflação planetária, gerada principalmente por um desequilíbrio físico entre a oferta e a procura em três setores: alimentos, energia e metais. O aumento da demanda foi produzido por uma aceleração do crescimento econômico e suas conseqüências estruturais nos países emergentes. Um exemplo paradigmático disso é o da China e da Índia, que têm crescido a taxas médias anuais de 10% e 7%, respectivamente, nos últimos cinco anos (o Brasil, apenas 3,8%).

Até meados de 2006, essa rápida expansão mundial foi atendida pelo crescimento da capacidade produtiva (ou pelo excesso de capacidade existente), de forma que a inflação esteve bem comportada. A tabela abaixo revela a taxa de inflação mundial (a inflação de cada país ponderada pelo PIB) nos últimos cinco anos.

As pressões inflacionárias em todos os países vêm do aumento do custo da alimentação e do preço do petróleo, que cresceram no último ano, em dólares, 60% e 102%, respectivamente. A internalização dos aumentos dos preços internacionais na taxa de inflação de cada país depende: 1. Da sua importância (peso) no índice de custo de vida. 2. Da liberdade do comércio. 3. Da valorização da taxa cambial. 4. Da eventual existência de pressões internas autônomas de demanda.

A situação é grave porque se trata de uma mudança de preços relativos das commodities, cuja importância é fundamental e tem influência ubíqua no custo de vida e no custo da produção de todos os países, com ou sem excesso de demanda. A inelasticidade da oferta de petróleo a curto prazo, por exemplo, pode ser apreciada no gráfico Capacidade Global de Refino, que registra a capacidade mundial e a demanda nos últimos 30 anos. É clara a diferença entre a crise de 1979-1980, quando o cartel controlava a oferta, mas tinha capacidade de aumentá-la, com a de 2007-2008, quando a demanda se expandiu e acabou a capacidade ociosa. Como a oferta de tais commodities é inelástica a curto prazo, a eliminação da pressão inflacionária exige um corte da demanda. Isso implica internalizar os preços, mas não corrigir os salários, o que a experiência mostrou ser politicamente muito difícil.

A experiência mundial da primeira metade dos anos 70, quando tivemos o mesmo fenômeno (aumento dramático do preço do petróleo e dos produtos agrícolas) e na segunda metade (novo aumento do petróleo), mostra claramente as dificuldades de manobrar a política monetária para reduzir os seus efeitos, se ela não receber um forte suporte fiscal. Os preços externos estão fora do alcance de tais manobras e a cooperação entre os países é ilusória. Quando ocorre uma crise, cada um trata de se defender como pode. Viola-se a regra básica da convivência internacional: a confiança de cada um sobre a liberdade de comércio dos outros. Isso reduz dramaticamente os resultados da especialização produzida pelas vantagens comparativas. O efeito mais grave no longo prazo é que cada país volta a procurar as três condições para sua sobrevivência: as autonomias alimentar, energética e militar.

Esse é o mundo povoado por riscos e futuro incerto. Em que as nações cuidam dos seus interesses e têm confiança limitada nas outras e onde os preços certos são ignorados, como no caso do etanol de milho nos EUA (porque o objetivo não é o máximo de bem-estar no curto prazo, mas o máximo de autonomia e segurança no longo), que os economistas, se quiserem ser úteis, têm de incorporar aos seus modelos.

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