sábado, 28 de fevereiro de 2009

Cooperação macroeconômica mundial

Jeffrey D. Sachs
O mundo ainda não alcançou a coordenação de política macroeconômica que será necessária para restaurar o crescimento econômico após o Grande Crash de 2008. Em grande parte do mundo, os consumidores estão agora reduzindo seus gastos em resposta a uma queda em sua riqueza e ao medo do desemprego. A avassaladora força por trás do atual colapso do mercado de trabalho, da produção e do fluxo comercial é ainda mais importante do que o pânico financeiro que veio na esteira do colapso do Lehman Brothers em setembro de 2008.

Não há, evidentemente, retorno possível à situação que precedeu o Grande Crash. A bolha financeira mundial não pode, e não deveria, ser recriada. Mas se o mundo cooperar efetivamente, o declínio na demanda dos consumidores poderá ser contrabalançado por um valioso incremento nos gastos com investimentos para enfrentar as mais críticas necessidades no planeta: energia sustentável, água potável e saneamento básico, redução da poluição, melhorias na saúde pública e maior produção de alimentos para os pobres.

Os EUA, a Europa e a Ásia registraram, todos, um colapso da riqueza devido à queda nas bolsas de valores e nos preços das moradias. Não há ainda uma medida confiável da redução da riqueza e de sua distribuição em todo o mundo, mas o encolhimento foi, em relação a seu pico, provavelmente em torno de US$ 15 trilhões nos EUA e talvez US$ 10 trilhões tanto na Europa como na Ásia. Um encolhimento combinado em torno de US$ 25 trilhões na riqueza equivaleria a aproximadamente 60% da renda mundial em um ano. O declínio na riqueza americana como percentual da economia dos EUA é ainda maior, em torno de 100% da renda anual, e possivelmente 70% da renda anual na Europa e na Ásia.

A premissa usual é de que o consumo domiciliar cai aproximadamente US$ 0,05 para cada declínio de US$ 1 na riqueza domiciliar. Isso implicaria um choque negativo direto nos gastos domiciliares em torno de 5% da renda nacional nos EUA, e de aproximadamente 3,5% na Europa e na Ásia.

A dimensão desse desaquecimento econômico é tão grande que o desemprego crescerá substancialmente em todas as principais regiões da economia mundial, possivelmente atingindo 9% a 10% nos EUA. Os domicílios gradualmente pouparão o suficiente para recompor sua riqueza, e o consumo das famílias será também pouco a pouco restaurado. Entretanto, isso acontecerá lentamente demais para impedir rápido aumento do desemprego e enorme queda na produção em relação a seu potencial.

O mundo, portanto, precisa estimular outros tipos de gastos. Uma maneira vigorosa de estimular a economia mundial e contribuir para atender necessidades futuras é incrementar os gastos em infraestrutura, principalmente voltados para transportes (rodovias, portos, ferrovias e transporte de massas), energia sustentável (eólica, solar, geotérmica, captura e sequestro de carbono e redes de transmissão de eletricidade a distância), controle de poluição, e água e saneamento básico.

Existem fortes justificativas para cooperação mundial visando ampliar esses investimentos públicos nas economias em desenvolvimento, e especialmente nas regiões mais pobres do mundo. Essas regiões, como a África subsaariana e a Ásia Central, estão sofrendo duramente com a crise mundial, devido à queda nos rendimentos das exportações, nas remessas de dinheiro para familiares em países de origem e nos afluxos de capital.

As regiões pobres também estão sofrendo com as mudanças climáticas - como secas mais frequentes -, causadas por emissões de gases que provocam o efeito estufa pelos países ricos. Ao mesmo tempo, os países pobres têm enormes necessidades de infraestrutura, especialmente rodovias, ferrovias, energia renovável, água e saneamento básico, e de melhorias na atual disponibilização de serviços vitais para salvar vidas, entre eles sistemas de saúde e apoio à produção de alimentos.

O G-20, que compreende as maiores economias do mundo, é um ambiente natural para uma coordenação mundial de políticas. O próximo encontro do G-20 em Londres no início de abril é uma oportunidade crucial para ação oportuna. As principais economias - especialmente dos EUA, da União Europeia (UE) e japonesa - deveriam estabelecer novos programas para financiar investimentos em infraestrutura em países de baixa renda. Os novos empréstimos deveriam ser de ao menos US$ 100 bilhões por ano direcionados para os países em desenvolvimento.

Os novos financiamentos deveriam incluir empréstimos diretos das agências em países ricos que disponibilizam créditos a exportações para permitir que países pobres tomem empréstimos de longo prazo (por exemplo, 40 anos) para construir estradas, redes de eletricidade, geração de energia renovável, portos, redes de fibras ópticas, e sistemas de água e saneamento básico. O G-20 deveria também ampliar a capacidade de financiamento do Banco Mundial, do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e de outras instituições financeiras internacionais.

O Japão, com um superávit de poupança, moeda forte, enormes reservas em moeda estrangeira e fábricas sem pedidos do mercado doméstico, deveria assumir a liderança na disponibilização desses recursos focados em infraestrutura. Além disso, o Japão pode aquecer substancialmente sua própria economia e as dos países mais pobres direcionando sua própria produção industrial para as necessidades de infraestrutura no mundo em desenvolvimento.

Cooperação pode transformar o abrupto e assustador declínio nos gastos de consumo mundial numa oportunidade também mundial para investir mais no bem-estar futuro do mundo. Ao redirecionar recursos do consumo de países ricos, canalizando-os para as necessidades de investimento dos países em desenvolvimento, o mundo pode alcançar uma "tripla" vitória. Investimentos mais elevados e gastos sociais em países pobres estimularão toda a economia mundial, estimularão o desenvolvimento econômico e promoverão sustentabilidade ambiental por meio de investimentos em energia renovável, uso eficiente da água e de agricultura sustentável.

Jeffrey D. Sachs é professor de Economia e diretor do Instituto Terra, da Universidade da Columbia. Ele é também conselheiro especial ao Secretário Geral da ONU para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. © Project Syndicate/Europe´s World, 2009. www.project-syndicate.org

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