quarta-feira, 25 de junho de 2008

Capitaneando a economia mundial

Por Martin Wolf

Duas tempestades estão fustigando duramente a economia mundial: uma tempestade de preços de commodities, inflacionária; e outra financeira, deflacionária. Na semana passada, argumentei que os regimes cambiais constituem um vínculo entre esses eventos distintos. Nesta semana, consideraremos formas de navegar nessas águas revoltas.

O lugar para começar é a economia mundial, como unidade. Quanto mais globalizadas as economias, mais apropriado é pensar na economia desta maneira. Assim, o que aprendemos sobre a economia mundial como um todo? A resposta é que ela está atingindo seus limites nos recursos, pelo menos no curto prazo.

Nossa civilização está baseada no combustível fóssil. Só que, desde o fim de 2001, o preço real do petróleo aumentou em cerca de seis vezes. Hoje, o preço real é maior do que no começo do século passado. Como observa o Banco Mundial (Bird) em seu mais recente relatório, "Finanças do Desenvolvimento Global de 2008", a oferta global de petróleo estagnou em 2007.

Esse fato, diz o relatório, "contribuiu para forte queda nos mercados acionários na segunda metade de 2007 e para preços acentuadamente mais altos (www.worldbank.org)". É possível que esses aumentos se comprovem temporários, como aconteceu após as fortes altas da década de 70, ou permanentes. Ainda não sabemos.

As fortes oscilações nos preços da energia têm ao menos três efeitos sobre a economia. Primeiro, eles aumentam a inflação cheia. Nas economias emergentes, sobretudo, as surpresas inflacionárias adversas se transformaram na norma. Segundo, eles reduzem a oferta potencial, comprimindo os lucros em atividades que consomem energia, obrigando os empresários a eliminar capacidade intensiva em energia e tornando necessário investir em nova e mais ampla capacidade eficaz em energia.

Na sua mais recente edição da "Perspectiva Econômica", a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) discute as conseqüências de um desses choques de oferta negativos sobre os países membros ( www.oecd.org ). Ela apresenta dois argumentos gerais: primeiro, aumentou a incerteza em torno dos níveis atuais e futuros da produção potencial; e, segundo, os efeitos adversos decorrentes desse fato podem ter dimensão considerável.

A OCDE estima que o aumento recente no preço real relativo do petróleo reduziu a produção regular em 4% nos EUA e em 2% na zona do euro; e reduziu o crescimento potencial, no médio prazo, em 0,2 pontos percentuais e em 0,1 ponto percentual, respectivamente. Isso não é trivial: no caso dos EUA, a queda no crescimento da produção potencial deve estar em pelo menos 10% do crescimento potencial na produção per capita. Nas economias emergentes mais avançadas - e, particularmente, numa economia em franca expansão industrializante, como a China - a redução da taxa de crescimento potencial pode ser ainda maior.

Terceiro, os saltos nos preços da energia alteram o nível e a distribuição da demanda global. A passagem, de um preço de perto de US$ 53 o barril no começo de 2007, para US$ 136, agora, aumenta o custo anual para os consumidores em cerca de US$ 2,6 trilhões anualmente, o que representa um imposto de aproximadamente 4,5% sobre a produção global não relacionada com o petróleo. Cerca de dois terços dessa transferência vai dos países importadores para os países exportadores de petróleo. Também migra dos que gastam aos que estão propensos a economizar, pelo menos no curto prazo.

Essa transferência por si conterá o aumento na demanda global. Assim, também, se comportarão as crises financeiras nos EUA e nos países de altas rendas e o colapso intimamente relacionado de várias enormes bolhas de preços de moradias. Nos países de alta renda, o crescimento projetado pela OCDE deverá se desacelerar para pouco abaixo da tendência neste ano e no próximo. Como seria de se esperar, a maior queda está nos EUA, onde este ano o PIB deverá crescer 1,2%, cuja quase totalidade deverá vir da contribuição do aumento nas exportações. De locomotiva de crescimento, os EUA se transformaram em dependentes do crescimento em outros lugares.

Mesmo assim, será que essa queda na taxa de crescimento dos países de alta renda conseguirá resfriar, de forma suficiente, uma economia mundial superaquecida? Talvez não. A OCDE estima uma queda no crescimento fora do âmbito da OCDE, mas a níveis ainda acima do potencial (de difícil mensuração) . O relatório sobre as "Finanças do Desenvolvimento Global de 2008" do Bird espera queda pronunciada no crescimento dos países desenvolvidos, embora ainda a níveis elevados, de 7,8% em 2007 para 6,5% neste ano; e para 6,4% em 2009. A expansão chinesa deverá desacelerar-se, de 11,9% em 2007 para 9,4% em 2008 , bem como o da Índia, de 8,7% para 7%.

Apesar disso, conforme argumentei semana passada, a política monetária global é provavelmente frouxa demais, a despeito do impacto adverso da crise do crédito sobre os países de alta renda. Em muitos países emergentes o crescimento está aumentando velozmente e a inflação, subindo com vigor. Se, como parece, a economia mundial não conseguir crescer no ritmo que as pessoas esperavam há apenas um ou dois anos, as economias emergentes precisam fazer parte do ajuste. Isso ficará ainda mais evidente no momento em que, por fim, as economias dos países de alta renda se recuperarem plenamente.

Diante deste pano de fundo problemático, quais são as respostas corretas e como devem ser distribuídas ao redor do globo? Elas precisam ser separadas no curto prazo e no prazo mais longo.

No curto prazo, a maior exigência de política monetária é um endurecimento nas economias emergentes que, em sua maioria, hoje pratica taxas de juros reais fortemente negativas. Uma precondição para esse tipo de endurecimento é um relaxamento do sistema de metas de taxas de câmbio. O aperto monetário é menos evidentemente necessário nos países de alta renda, embora o Fed (o BC dos EUA) possa ter cortado os juros em demasia.

É igualmente importante permitir que os saltos nos preços da energia sejam repassados, forçando os ajustes necessários no uso da energia.

Os beneficiários dos subsídios oferecidos por muitos emergentes estão predominantemente nos grupos de renda mais alta. Na Índia, o custo dos subsídios ao combustível são quase tão vastos quanto os gastos públicos com Educação: isso é escandaloso. Não menos importante é o abandono da idéia tola de que os saltos nos preços do petróleo ou dos alimentos sejam resultado de uma "especulação" perniciosa - uma fantasia promovida por populistas perigosos por todo o mundo.

Por fim, é essencial que os países ricos protejam as populações e países mais pobres contra esses choques. O objetivo deve ser reduzir o sofrimento e financiar o ajuste necessário, mas não evitá-lo.

No horizonte médio e mais distante, a maior prioridade é livrar as restrições da energia sobre o crescimento. Isso significa maior investimento público e privado em pesquisa energética, especialmente em fontes renováveis. O desafio é imenso, mas deve ser enfrentado.

Os choques são enormes. O mais importante, porém, é o alto preço da energia. A crise financeira foi uma estupidez evitável. Os preços ascendentes da energia são uma amarga realidade. O mundo precisa se adequar a essa nova ameaça desagradável. Em condições ideais, os países deveriam agir em conjunto. Quer atuem em conjunto ou não, porém, eles precisam agir. Caso contrário, um perigo maior - até uma nociva dose de estagflação - pode estar se avizinhando.

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