Por Angelo Pavini, de São Paulo
Mark Mobius, diretor geral da Templeton Asset Management, está otimista. Responsável por uma das maiores carteiras de ações de mercados emergentes do mundo, ele detecta uma retomada das aplicações neste ano, depois da onda de saques no ano passado. As carteiras da Templeton perderam 15% do patrimônio em emergentes - ou US$ 2,5 bilhões de um total de US$ 20 bilhões - de outubro a dezembro, auge da turbulência dos mercados. Agora, diz ele, a situação mudou. As taxas de juros, observa, estão caindo no mundo todo, inclusive no Brasil e os governos estão injetando trilhões de dólares na economia. "Onde os investidores vão colocar todo esse dinheiro?" questiona ele, para em seguida responder: em ações. Parte pode ir para ouro, outra forma de se proteger da desvalorização das moedas e da inflação, admite. Mas ouro não paga dividendo, não tem ganho de capital, então a resposta é ações, diz. "Eu mesmo estou investindo mais em ações do meu próprio bolso", afirma o executivo.
Mobius chegou ao Brasil na semana passada, já passeou de bicicleta em Copacabana (ele sempre carrega uma dobrável em suas viagens, que duram o ano todo) e conversou com o Valor sobre os mercados e os investimentos.
Valor: Como o senhor vê os mercados de ações, em meio à crise internacional?
Mark Mobius: Eu estou otimista. A melhor forma de escapar da inflação e do impacto da desvalorização das moedas que deve ocorrer no médio prazo é comprando ações. Com a quantidade de dinheiro que o governo americano está injetando na economia, vamos ver muita desvalorização do dólar pela frente. O ouro pode ser alternativa, o problema é que não paga juros nem dividendos. É interessente ter algum investimento em ouro físico, uma parcela pequena, em moedas ou barras, para emergências. Mas o melhor é ter ações.
Valor: A inflação deve disparar?
Mobius: Sim, teremos uma alta da inflação no mundo todo, a começar pelos Estados Unidos. E depois, os demais países vão desvalorizar suas moedas para se manter competitivos, e isso pressiona os preços locais. Claro, que a questão neste momento é injetar dinheiro na economia para suprir a necessidade de recursos do mercado, mas a dúvida será como cortar isso quando a inflação aumentar. Isso não deve ocorrer tão cedo. Por enquanto, a crise ainda está presente e a inflação está baixa. Por isso os BCs se sentem seguros para cortar tanto os juros e injetar tanto dinheiro na economia.
Valor: Qual o risco de uma depressão nos EUA?
Mobius: É pequeno. Se olharmos os anos 30, não dá para comparar, a situação é totalmente diferente. Não havia garantia de depósitos bancários, seguridade social, nem programas de ajuda a desempregados. É uma situação muito diferente. Não digo que a situação não seja séria, é muito séria, especialmente para os bancos. Mas outros setores não estão tão complicados. O que há é um problema bancário, que o governo está tentando resolver injetando recursos nos bancos.
Valor: Seria o caso de estatizar?
Mobius Na prática, o governo já quase fez isso. Ao receber ações em troca dos empréstimos às instituições, as autoridades estão tomando o controle, limitando a remuneração dos executivos e tudo mais. Mas eu acho que eles deveriam agir mais depressa e tomar de uma vez o controle total dos bancos. E, rapidamente, separar os ativos bons dos ruins, e eventualmente vender o banco bom de volta para o setor privado. Mas, do jeito que eles estão agindo hoje, eles estão tentando é salvar os acionistas desses bancos. E a razão é que parte dos executivos do governo vieram desses bancos. O ex-secretário do Tesouro, por exemplo, era um dos principais executivos da Goldman Sachs. Então eles têm de salvar esses acionistas. O desapontamento é óbvio pois as coisas não estão sendo feitas o rápido o bastante para resolver o problema.
Valor: Com esse cenário de inflação em alta e economia se desaquecendo, quais são as oportunidades do mercado?
Mobius: Todas essas medidas de estímulo devem ter impacto no mercado de ações. Investidores e gestores não vão querer deixar o dinheiro no banco com juros abaixo de 1%, enquanto a inflação está em 3%, talvez 4% ao ano. Eles vão querer tentar colocar o dinheiro em ações ou "private equity", ou ainda iniciar ou ampliar em seus próprios negócios. Eu penso que estamos começando a ver isso.
Valor: Mas até quando inflação e commodities devem ficar em baixa?
Mobius: Provavelmente em 2010, 2011, veremos uma mudança. Os mercados já recuperaram uma parte das perdas, os mercados emergentes já recuperaram cerca de 20% desde seu piso de em outubro. Mesmo nos EUA, há boas empresas sobreviventes, com marcas boas, boa geração de caixa. Há setores com tecnologia de ponta, empresas com marcas fortes, como Coca-Cola, Pepsi, cadeias de restaurantes, empresas de alta tecnologia, que estão tendo um mau momento, mas devem se recuperar.
Valor: Bancos são o pior setor?
Mobius: Mesmo nos Estados Unidos há bancos saudáveis, com negócios bem estruturados, que ficaram de fora da crise imobiliária. E no mercado internacional, há oportunidades como o HSBC, com uma rede global importante, presença forte na Ásia, na China, na Índia.
Valor: Entre os emergentes, quais as melhores oportunidades?
Mobius: Estamos olhando principalmente as empresas na China e no Brasil - que está em muito boa forma. Em seguida, temos Índia, África do Sul, Turquia e Rússia. Esses são os países que estamos olhando para investir. Entre os setores, gostamos do de consumo, AmBev, por exemplo, e de commodities, pois acreditamos que os preços caíram muito rápido e devem voltar a subir. Estamos olhando também empresas de energia e petróleo. Petrobras, no Brasil, Lukoil na Rússia, PetroChina, na China. São empresas muito sólidas. Gostamos também de Vale. Mesmo que o preço do minério de ferro caia 50%, ela continuá ganhando muito dinheiro. E há as empresas de cobre, que também devem ir bem no longo prazo.
Valor: Quais setores vocês não gostam?
Mobius: Não digo que não gostamos de um determinado setor. Não gostamos de empresas com alto endividamento ou com margens estreitas. Hoje, o caixa é o rei. Por isso, olhamos empresas com alta geração de caixa, que têm maior potencial para sobreviver. Vemos oportunidades em empresas de telefonia, por exemplo, que têm um componente forte de consumo, e são fortes geradoras de caixa.
Valor: E os bancos?
Mobius: Estamos olhando seletivamente. A maioria dos bancos nos mercados emergentes não teve problemas com o mercado "subprime". Temos Bradesco, Itaú e alguns bancos na Tailândia em muito boa situação. E eles têm um componente importante de consumo também, por isso temos investimentos neles.
Valor: A volta do protecionismo preocupa?
Mobius: Essa é a maior preocupação hoje. Há o receio de o governo Barack Obama tender a adotar um maior protecionismo, o que seria um desastre. Mas eu não acredito que ele vá seguir esse caminho, pois olhando o passado, esse tipo de política prejudica a todos. Mas é preciso ficar de olho.
Valor: Como estão seus investimentos no Brasil?
Mobius: Temos cerca de US$ 3 bilhões investidos em ações no Brasil. A Franklin Templeton em geral tem US$ 10 bilhões, incluindo papéis de renda fixa. Na carteira de ações da Templeton, o Brasil representa cerca de 15% dos US$ 20 bilhões totais. A maior parcela está na China, com US$ 5 bilhões. A fatia do Brasil se mantém. O único país que ganhou participação recentemente foi China, que ficou muito atrativa.
Valor: O que torna o Brasil atrativo?
Mobius: As companhias estão muito baratas em relação aos lucros e aos valor de seus ativos, a qualidade da gestão é muito boa, a economia do país está indo bem e deve crescer, 2%, 3%. A governança está melhorando e os recursos naturais são incríveis. Vemos oportunidades aqui em commodities, bancos e telecomunicação. E empresas de consumo.
Valor: O que o caso Madoff pode mudar no setor de fundos?
Mobius: A fraude deve ter impacto sobre o mercado. As pessoas devem ficar mais cautelosas em relação a onde aplicam, olhar a reputação das empresas que recebem o dinheiro, observar mais a separação das atividades de gestão, custódia e controles. A lição é que pessoas inteligentes também podem ser enganadas. A SEC (Securities and Exchange Commission, a CVM dos EUA) deve mudar os controles.
Nenhum comentário:
Postar um comentário