terça-feira, 18 de novembro de 2008

Os capitalismos

Antonio Delfim Netto

Todos sabemos que o experimento promovido por Lênin-Stalin fracassou: em lugar do socialismo, promoveu um dos mais brutais Estados de quantos freqüentaram a história universal. Essa é a tragédia do próprio marxismo. Produto da mente de um libertário genial, inspirou, igualmente, intelectuais generosos e facínoras. Os últimos, em nome do "socialismo e da construção do novo homem", chegaram a escravizar um terço da humanidade.

Com abertura dos arquivos secretos da União Soviética foi possível conhecer um pouco melhor os métodos e a ética oportunista dos líderes da Revolução de 1917. Lênin era tão brutal quanto Stalin. Isso se vê num "despacho" a V.V. Kuraev (agosto, 1918) em que ordena a "supressão, sem piedade, mas de forma que o povo assista, de não menos do que cem kulaques conhecidos". Ao contrário do que geralmente se pensa, é possível que Lênin queria mesmo é ser sucedido por Stalin e não por um intelectual refinado como Bukharin (assassinado por Stalin em 1938 no processo de Moscou).

Também a imagem e a importância de Trostsky (o preferido de nossos intelectuais), quer como "pensador", quer como "comandante do Exército Vermelho" sai muito esmaecida dos comentários de Lênin. Este aparentemente o admirava apenas por sua "capacidade oratória"... Os "arquivos secretos" mostram, também, que longe da revolução ter sido apoiada por toda a população, esta foi convertida e calada pelo exemplo de milhões (sim, milhões!) de mortos e deportados dentro do território soviético pela ação de uma burocracia partidária brutal, ideologicamente cega e fortemente armada.

Depois da conversão da China ao capitalismo mais desenfreado por inspiração de Deng Xiao Ping, em 1978, e da dissolução da União Soviética, em 1989, não existe mais paradigma de organização econômica concreta que não seja alguma forma de "capitalismo". Todas elas baseiam-se no respeito à propriedade privada, na organização da produção em empresas, no trabalho assalariado e no funcionamento da economia através de mercados regulados institucionalmente. O que os diferencia são os vários sistemas de proteção social.

O mundo vive uma revolução em que as relações entre as empresas, os assalariados e o Estado estão se alterando fortemente. As empresas tendem a estender suas atividades fora do seu espaço geográfico para utilizar as vantagens da "mundialização produtiva". A dispersão geográfica da produção e a busca da maior eficiência econômica (maximização de resultados) impõem restrições às relações emprego-salário, muito maiores do que antes, e diminuem o poder das organizações sindicais. Por outro lado, a liberdade de escolha da localização geográfica impõe restrições ao poder do Estado de tributar, pois as empresas podem escolher onde a tributação do capital é menor.

A liberalização do comércio internacional e do movimento de capitais (um duvidoso contrabando ideológico, que atribui a este as mesmas virtudes do livre movimento das mercadorias), aumentaram dramaticamente o poder do sistema financeiro internacional. Apoiado no mais importante desenvolvimento tecnológico que estamos vivendo (a tecnologia da informação) e na infinita inteligência dos operadores financeiros para descobrirem e operarem "derivativos" de toda natureza, a liberdade de movimento de capitais está sempre disponível para desestabilizar as economias despreparadas. Agora mesmo vivemos mais uma das "crises" do capitalismo provocada pela desregulação exagerada do sistema financeiro.

Essa evolução da economia mundial terminou com a viabilidade econômica e política dos Estados autárquicos. Se quiserem o desenvolvimento econômico e social dentro de um regime de plena liberdade individual e respeito ao estado de direito, não resta às nações outra alternativa que não uma das formas com que o capitalismo se apresenta. O que controla o tipo de capitalismo e define o grau de eficiência produtiva e de equidade que a sociedade deseja é a sua organização política. Podemos distinguir, pelo menos, quatro tipos de "capitalismos":

1) O anglo-saxão dos países de língua inglesa, onde os mercados são mais flexíveis (inclusive o do trabalho) e onde o sucesso econômico é mais visível, mas a assistência social é menor;

2) O germano-nórdico (Alemanha, Suécia, Dinamarca, Finlândia), que tem maior assistência social, mas tende a adaptar-se ao anterior;

3) O corporativo japonês, onde o sistema tradicional de suporte ao trabalho adapta-se a alguns aspectos do capitalismo anglo-saxão; e, finalmente

4) O estatal (França e Itália), onde sindicatos e Estado se desentendem abertamente e a ineficiência é visível e crescente. Aqui também a proposta de reforma é aproximá-lo do anglo-saxão.

Os três últimos tipos de capitalismo acima mencionados tentam reformas para convergir para o paradigma anglo-saxão, com adaptações locais e graus diversos de assistência social. Mas o sucesso do movimento depende dos processos políticos, como demonstram as recentes eleições no mundo desenvolvido, onde os cidadãos revelam suas diferentes "preferências" entre o crescimento econômico e suas formas de viver.

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