quarta-feira, 7 de maio de 2008

Sete hábitos para reguladores financeiros

Por Martin Wolf
"Em termos simples, o brilhante novo sistema financeiro - com todos os seus talentosos participantes, com todas as suas ricas recompensas - falhou no teste do mercado." - Paul Volcker, 8 de abril de 2008.

Paul Volker é o gigante entre os presidentes de bancos centrais contemporâneos, tanto literal como figurativamente. Foi ele quem teve a coragem moral para esmagar a inflação como presidente do Federal Reserve entre 1979 e 1987. Quando Volcker fala, as pessoas ouvem. O que ele tinha a dizer ao clube econômico de Nova York no mês passado valia muito a pena ser ouvido ( www.econclubny.org ). Sua conclusão, citada acima, foi tão devastadora por ser tão verdadeira.

Volker ressaltou que esta crise não foi única. Pelo contrário, "a crise financeira de hoje representa o auge, na minha conta, de pelo menos cinco sérios colapsos de importância sistêmica nos últimos 25 anos - na média, um a cada cinco anos. Sinal de alerta suficiente para indicar que algo muito básico está errado." Os que não deram a devida importância a tais alertas estão fadados a sofrer algo ainda pior.

Então, o que deve ser feito? Há uma parte de mim - de bom tamanho, na verdade - que diz: "Esqueçam a regulamentação: nunca funcionará. À exceção das leis normais contra fraude, deixem o sistema financeiro viver e morrer pelas leis de mercados competitivos. Se as empresas falirem, simplesmente deixem que afundem, com todos os seus acionistas, clientes e funcionários. Enquanto isso, recordaremos os usuários constantemente acerca dos perigos."

Suspeito que esta abordagem poderia nos oferecer um sistema financeiro melhor do que esse que temos agora. Mas este é um sistema que não podemos ter, pois os governos não ousariam nos permitir tê-los, como as experiências com o Northern Rock e o Bear Stearns nos recordam. O público, assim sentem os governos, precisa ser protegido dos bancos e os bancos precisam ser protegidos de si mesmos. As finanças são consideradas importantes demais para serem deixadas ao mercado.

Dito isso, a regulamentação precisará ser radicalmente reconsiderada, a menos, como aponta Volker, que estejamos à vontade com uma crise financeira substancial mais ou menos a cada cinco anos. Por mais poderoso que seja o lobby do setor financeiro, ele certamente será incapaz de se reservar uma licença para perpetrar uma devastação em tamanha escala, especialmente num momento, como ele também observa, "em que é difícil argumentar que o novo sistema trouxe benefícios excepcionais à economia de forma geral".

Até agora, é desejável ter regulação mais rígida para os interesses de longo prazo do setor, quanto mais para os do público. Qual, então, deverá ser o perfil da regulação? Nesse ponto eu gostaria de analisar o que considero serem os temas fundamentais. Ao fazê-lo, estou sendo influenciado por um excelente artigo de Nouriel Roubini, da Escola de Administração de Empresas Stern da Universidade Nova York (Ten Fundamental Issues in Reforming Financial Regulation and Supervision in a World of Financial Innovation and Globalization, www.rgemonitor.com [Dez temas fundamentais na reforma da supervisão e regulação financeira num mundo de inovação financeira e globalização]).

Portanto, eis os sete princípios da regulação.

Primeiro, cobertura. Talvez a lição mais óbvia seja os perigos da arbitragem reguladora: se as regras impunham certas exigências de capital, as instituições deslocavam as atividades para veículos fora dos balanços patrimoniais; se as regras operavam de forma restritiva em uma jurisdição, as atividades eram deslocadas para outro lugar; e se certas instituições estavam reguladas de forma mais rígida, então as atividades eram deslocadas para outras. A cobertura reguladora precisa ser completa. Todas as instituições alavancadas acima de certa dimensão precisam estar dentro da rede.

Segundo, amortecedores. O capital social é o amortecedor mais importante do sistema financeiro. Igualmente útil é a dívida subordinada. Se o Bear Stearns tivesse maior volume de capital social, as autoridades talvez não precisassem socorrê-lo. As exigências de capital devem ser as mesmas em toda a extensão do sistema financeiro, contra qualquer dada categoria de riscos. Mas também deve haver maior atenção no tocante à adequação daquele outro amortecedor: liquidez.

Terceiro, comprometimento. O modelo "originar-e-distribuir" tem, como já ficou claro, uma enorme desvantagem: os "originadores" não se importam suficientemente com a qualidade dos empréstimos que pretendem descarregar sobre os outros. Eles não têm, seguindo a frase de Warren Buffet, "a sua pele em jogo". Isso dá lugar a concessões de empréstimos negligentes, quando não irresponsáveis, ou até fraudulentas. Deve-se exigir dos originadores, portanto, que mantenham porções de maior risco ("equity") de empréstimos securitizados.

Quarto, sazonalidade. As regras existentes são pró-sazonais. O capital evapora em tempos difíceis, como conseqüência de baixas contábeis, agravando a desaceleração econômica e prejudicando mais ainda os ativos. A contabilidade de marcação a mercado, embora basicamente desejável, tem um efeito semelhante. Uma solução poderia ser diferenciar entre meta de níveis de capital e um nível mínimo mais baixo. Instituições que têm capital mínimo em tempos difíceis só precisarão visar um nível de meta mais alta ao longo de um período prolongado.

Quinto, clareza. Falta de informação, informação assimétrica e incerteza são inerentes às atividades financeiras. Isso explica porque são vulneráveis a oscilações no estado de ânimo coletivo. O sistema financeiro voltado a transações é particularmente vulnerável, pois a informação precisa fluir livremente através de mercados distantes. O grande desafio, portanto, é gerar o máximo de clareza possível. Outra questão é o papel calamitoso recente representado pelas agências de classificação de risco e os conflitos de interesse que permeiam o ambiente em que elas operam.

Sexto, complexidade. O excesso de complexidade é uma fonte importante de falta de clareza. Ela é muito prejudicial, como temos visto, para o modelo de originar e distribuir, pois mercados de complexos produtos securitizados podem às vezes travar, obrigando os bancos centrais a se tornarem "formadores de mercado de última instância", com todas as dificuldades que isso envolve. Uma possibilidade seria insistir que todos os derivativos sejam negociados em bolsas.


Sétimo, compensação. Nesse tema, não posso fazer melhor do que citar Volcker: "Em nome do alinhamento correto de incentivos, há enormes recompensas para transações bem-sucedidas e para originadores de empréstimos. O mantra do alinhamento de incentivos se perde na incapacidade de impor perdas simétricas - ou, freqüentemente, absolutamente nenhum tipo de perda - quando os fracassos se sucedem". Se os reguladores podem fazer algo efetivo não está claro. Que isto representa um desafio não resta dúvida.

John Maynard Keynes escreveu sobre um oitavo princípio. Ele argumentou que "quando o desenvolvimento do capital de um país se torna um subproduto das atividades de um cassino, provavelmente a tarefa está sendo mal executada". Ele tinha razão. As características de um cassino sempre estarão presentes num sistema financeiro que executa as funções essenciais de guardar as economias das pessoas e distribuí-las onde possam trazer o maior benefício.

A regulação sempre será extremamente imperfeita. Ainda assim, é preciso empreender um esforço para aprimorá-la.

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