quarta-feira, 7 de maio de 2008

O Brasil é grau de investimento

JORNALISMO ECONÔMICO
Alegria: o Brasil é grau de investimento

Por Rolf Kuntz em 6/5/2008

A imprensa entusiasmou-se quase tanto quanto o governo com a elevação do Brasil ao grau de investimento, anunciada na última quarta-feira de abril (30/4) pela agência de classificação Standard & Poor’s. A notícia foi manchete dos principais jornais na quinta-feira. Alguns limitaram-se a informar, no título, a nova classificação conferida ao país. Outros foram além e reproduziram a opinião da agência: o Brasil, proclamaram, tornou-se local seguro ou mais seguro para os investidores. Todos mencionaram, ainda na primeira página, o entusiasmo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de seus ministros e a reação na bolsa de valores, com alta de 6,23% do Ibovespa, a maior em seis anos.

Tudo bem, a notícia era realmente importante e os editores tinham uma boa razão para dedicar muito espaço ao material. Por muito menos se enchem, às vezes, páginas e páginas dos cadernos de economia. Tudo bem, igualmente, com a reprodução das falas entusiasmadas do presidente Lula, do ministro da Fazenda, Guido Mantega, do presidente do Banco Central, Henrique Merelles, e de um monte de economistas, operadores do setor financeiro e empresários privados. Um pouco mais de perspectiva, porém, não atrapalharia a cobertura nem depreciaria indevidamente a nova classificação do país.

Em primeiro lugar, valeria a pena um pouco mais de atenção ao texto distribuído pela Standard & Poor’s. Em duas páginas e meia, os economistas da agência explicaram seus critérios e mostraram por que decidiram elevar a classificação do Brasil. Mas não ficaram nisso. A primeira página contém uma lista de três fatores positivos e três negativos para o julgamento dos investidores. Os três primeiros pesaram mais na decisão, obviamente, mas os negativos são importantes e podem determinar, mais tarde, um rebaixamento do Brasil.

Ritmo de crescimento insustentável

Só alguns jornais mencionaram os dois conjuntos de fatores e deram mais destaque aos positivos, como a continuidade das políticas fiscal e monetária, a contenção da inflação e a melhora dos indicadores de endividamento. Até aí, tudo OK, mas os pontos negativos aparecem duas vezes no relatório. Na primeira são indicados sinteticamente: 1) grande endividamento público e pesada carga de juros; 2) rigidez orçamentária e gasto corrente elevado; 3) obstáculos estruturais ao investimento e a um crescimento econômico mais em linha com o dos outros países emergentes.

Esses pontos são retomados no final do relatório, de modo mais extenso, acompanhados de uma série de recomendações. É preciso elevar a taxa de investimento, reduzir o custo Brasil, simplificar o regime tributário, baixar tarifas de importação e facilitar a participação privada no setor de energia e noutras áreas da infra-estrutura. Os avanços conseguidos até agora, segundo a Standard & Poor’s, são suficientes para um crescimento sustentável de 4% a 4,5% ao ano. Para mais que isso, são necessárias aquelas outras inovações.

Nenhum jornal destacou esse detalhe na parte informativa. Ao indicar um limite para o crescimento sustentável da economia brasileira nas atuais condições, a agência contrariou uma opinião sustentada com muito empenho por muita gente do governo federal e por alguns economistas de renome. Em outras palavras: a Standard & Poor’s, ao atribuir ao Brasil o grau de investimento, reconheceu avanços ocorridos nos últimos anos, mas ainda considera o país incapaz de sustentar o ritmo de crescimento dado como realizável pelo governo.

Tendências preocupantes

Os editores talvez valorizassem mais esse detalhe se não esquecessem, ao tratar da boa nova, duas das notícias mais importantes da semana: a deterioração das contas externas e as pressões inflacionárias apontadas pelo IGP-M (Índice Geral de Preços-Mercado) de abril.

O IGP-M desmente a idéia de pressões limitadas ao setor agrícola – ao "feijãozinho", como disse o ministro da Fazenda. As matérias-primas industriais também pressionam fortemente os custos. Quanto às contas externas, em apenas um trimestre o país acumulou um déficit de US$ 10,7 bilhões em transações correntes, quase todo o valor previsto pelo BC para 2008: US$ 12 bilhões. Os dados da inflação e das contas externas estão longe de ser catastróficos, mas indicam tendências preocupantes. Como esquecer esses dados, ao noticiar o primeiro grau de investimento concedido ao Brasil?

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