terça-feira, 6 de maio de 2008

A taxa de câmbio e a inflação de alimentos

A taxa de câmbio é o principal mecanismo de transmissão da política monetária no Brasil. Quando o Banco Central eleva a taxa de juros não há necessariamente contração dos agregados monetários, reservas bancárias e oferta de crédito, por exemplo, e por estes mecanismos a demanda agregada. Ao contrário, há episódios em que elevação da taxa de juros convive com forte expansão de crédito de outros agregados monetários, mas sempre tem afetado a taxa de câmbio e, por este mecanismo de transmissão, a taxa de inflação. Assim, desde 1999, o sucesso da política monetária em controlar a taxa de inflação vem ocorrendo fundamentalmente via apreciação da taxa de câmbio. Entretanto, a taxa de câmbio é um dos preços fundamentais para a atividade agropecuária, grande exportador, por afetar a sua receita e a decisão de ampliação ou redução na área plantada. Se, de um lado, o Banco Central, ao elevar a taxa de juros, reduz a taxa de inflação, via apreciação da taxa de câmbio, por outro, esta última reduz a área plantada com potencial impacto inflacionário.

De fato, pode-se observar no gráfico que a inflação no Brasil se acelera com a depreciação da taxa de câmbio em 1999 e 2002, e desacelera com a sua apreciação, como se observa no período pós-2003. Neste último período, observe-se dois choques externos de elevação de preços de commodities em 2004 e 2007.

No entanto, observa-se que existe uma forte correlação entre taxa de câmbio e a área plantada de grãos no Brasil, conforme gráfico. No período em que a taxa de câmbio aprecia logo depois do Plano Real, a área plantada cai da safra de 1994/95 a 1997/98. Com a desvalorização cambial de janeiro de 1999 e depreciações posteriores, a atividade agropecuária responde com rigor e expande de forma fantástica, ampliando a área plantada de 35 milhões de hectares, em 1997/98, para 49 milhões de hectares, em 2004/05, um aumento de 40%, isto é, 14 milhões de hectares de área plantada em sete anos. Com a apreciação da taxa de câmbio a partir de 2004, a área plantada caiu para 46 milhões de hectares na última safra 2007/08. Se o mesmo estímulo tivesse sido mantido até a última safra, a área plantada em grãos poderia ter aproximado de 60 milhões de hectares e a produção de grãos seria da ordem de 180 milhões de toneladas, lembrando que a produtividade vem aumentando significativamente no Brasil - basta lembrar que nos últimos dez anos aumentou 38,1%. Com oferta adicional de 40 milhões de toneladas de grãos o quadro internacional seria outro e a inflação de alimentos muito menor.

Com a política de taxa de juros e de câmbio praticada nos últimos anos, o medo e o desânimo tomaram conta dos empresários, que se retraíram para sobreviver, com redução na área plantada no Brasil desde 2004. Para agravar a situação do setor agropecuário, desde 2002/3 ocorre uma sucessão de choques negativos: elevação do preço da terra e dos insumos e problemas de praga e secas. Os preços recebidos pelos agricultores vinham tendo uma evolução favorável com a depreciação da taxa de câmbio. A forte apreciação da taxa de câmbio a partir de 2004 passa a repercutir negativamente nos preços recebidos pelos agricultores, enquanto os preços pagos pelo agricultor disparam. Assim, a receita dos 20 principais produtos agrícolas atingiu seu pico de R$ 134 bilhões em 2003, reduziu para R$ 123 bilhões em 2007, enquanto no mesmo período os preços pagos aumentaram significativamente, gerando uma grave crise no setor. Com isso, a agropecuária acumulou dívidas que vêm crescendo ao longo dos anos e se descapitalizou, de forma que, mesmo com o fenomenal estímulo da brutal elevação dos alimentos, não aumentou a área plantada nesta safra. Em 2007, os preços recebidos disparam novamente. Segundo o índice de preço de alimentos da revista "The Economist", no último ano eles aumentaram 65,4%, e acima dos preços pagos, mas mesmo assim a área plantada não aumentou. Com este aumento de preço e aumento de produtividade, a receita na safra 2007/08 deverá subir para R$ 147 bilhões.

O Brasil é hoje o país que possui, de longe, maior área de terras aráveis ainda não utilizadas, além de ter uma imensa área de pastagens degradas que podem ser recuperadas e convertidas em lavoura, ou para sistema de rotação pecuária-lavoura. No Brasil, as culturas anuais e permanentes ocupam 72 milhões de hectares, temos 71 milhões de hectares de áreas não exploradas ainda disponíveis para a agricultura e 172 milhões de hectares de pastagens - com sua recuperação e integração com lavouras, a disponibilidade de áreas utilizáveis poderia ser aumentada em mais 100 milhões de hectares. Da área territorial total do Brasil, de 851 milhões de hectares, 493 milhões de hectares compõem a área onde não podemos produzir (Floresta Amazônica, área de conservação, centros urbanos etc). Desta forma, hoje a área total onde o Brasil pode produzir é de 287 milhões de hectares. Para concluir, o Brasil possui uma competente e dinâmica classe empresarial rural, que responde rapidamente à estímulos de preços; a maior área de terras cultiváveis não utilizadas; tem uma das maiores indústrias de máquinas, equipamentos e insumos agrícolas do mundo; e domina a tecnologia. O Brasil é solução para o problema da escassez mundial de alimentos. Falta política macroeconômica adequada, que não transfira renda do produtor-exportador para o consumidor-importador; taxa de câmbio não apreciada; não impor restrições de crédito à produção e taxa de juros civilizadas.


Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.

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