quinta-feira, 31 de julho de 2008

Capitalismo arrebata EUA em crise

Por Kevin Hassett
A crise no Fannie Mae e no Freddie Mac provocou mais um revés numa já cambaleante economia dos Estados Unidos. Com tanta gente atualmente tomada pela possibilidade de a economia caminhar rumo à recessão, o jogo de acusações já começou. Muitos começaram a apontar um dedo acusador para um suspeito improvável: o próprio livre mercado. Há uma nova doença se disseminando nos prognósticos dos especialistas de plantão: o capitalismo de tempos prósperos.

Peter Gosselin capturou bem esse estado de ânimo num artigo recente no "Los Angeles Times". "O país e seus líderes políticos", ele escreveu, "começaram a se irritar com a idéia de que o sistema de mercado atual seria essencial para uma sociedade eficiente, estável e justa".

Apesar de não estar nem um pouco claro se a maioria das pessoas concordará com Gosselin, essa percepção precisa ser levada a sério. A noção de que os mercados não funcionam mais, se for verdadeira, poderá virar o pensamento econômico de cabeça para baixo e se transformar numa importante vitória intelectual para a esquerda americana. A aceitação generalizada desta idéia teria profundas implicações para o futuro das economias de mercado e abriria a porta para uma vasta expansão do governo.

Há dois anos, se perguntássemos a qualquer americano que não fosse um militante da esquerda por que os EUA superaram o desempenho das economias da Europa e do Japão, mais tendentes ao socialismo, ele teria apontado para a nossa maior dependência nos mercados livres. Os americanos dificilmente foram os únicos a aprender essa lição. Os europeus têm reduzido agressivamente as suas elevadas alíquotas de impostos e suas rigorosas regulações e o antigo bloco soviético, em particular, parece ter sido ungido no sacerdócio da doutrina econômica de Reagan.

Por que a vitória intelectual para os pensadores do livre mercado? Não porque tivessem convencido a todos nos seminários acadêmicos: o meio acadêmico dificilmente tem sido receptivo aos economistas conservadores. Não, a vitória aconteceu porque os fatos falaram por si mesmos. Um vasto corpo de pesquisa, que demonstra a relação empírica existente entre mercados livres e crescimento econômico, foi desenvolvido. Um estudo conduzido pelo economista Robert Barro, da Universidade Harvard, apurou que os direitos de propriedade e os mercados livres eram os elementos institucionais mais importantes para a promoção do crescimento econômico.

Igualmente, o Relatório de 2004 sobre a Liberdade Econômica Mundial, do Instituto Fraser, documentou que a receita do livre mercado, de concorrência, espírito empreendedor e atividade de investimento, é a chave para a promoção do crescimento econômico. Segundo o estudo, "países com maior liberdade econômica atraem mais investimentos e obtêm produtividade maior a partir dos seus recursos. Como resultado, eles crescem mais velozmente e atingem níveis de renda mais elevados". Estudos também mostram o impacto negativo da regulação sobre o crescimento. A economista, Silvia Ardagna, de Harvard, e Annamaria Lusardi, do Dartmouth College, concluíram que ambientes com regulação rígida desestimulam empreendedores que são motivados por novas idéias de negócios.

O poderio econômico dos EUA ajudou a vencer a Guerra Fria e países que copiaram, ou até se aprimoraram em relação aos Estados Unidos, viram seus horizontes mudarem dramaticamente. Países, da Irlanda à Estônia, adotaram a ideologia do livre mercado e presenciaram uma transformação econômica sem precedentes historicamente. É importante observar que essa vitória foi em torno de tendências de longo prazo. Há dois anos, o sentimento em prol do livre mercado estava provavelmente no seu auge. A vasta aceitação da idéia de que mercados livres são a melhor rota para a prosperidade foi baseada em décadas de experiência. Contudo, ocorreram graves flutuações.

Tivemos a crise de 1973, quando os preços quadruplicaram e houve a convulsão iraniana de 1979, que também devastou os mercados do petróleo, e a derrocada das instituições financeiras hipotecárias, quando mais de 700 bancos faliram. Até mesmo a gloriosa revolução de Reagan foi prejudicada por flutuações: uma das mais profundas recessões do período do Pós-Guerra aconteceu durante o primeiro mandato de Reagan. Mesmo com esses reveses, o sistema de livre mercado venceu, pois outras abordagens não produziram apenas flutuações, mas miséria constante.

Então, o que aconteceu desta vez, que é tão pior do que tudo o que houve antes? A resposta é: nada. Novas coisas que malograram demandam novas abordagens por parte dos formuladores de política. Mas os mercados por si só não são a raiz do problema. Tratemos de cada um dos elementos negativos.

Primeiramente, os preços do petróleo. Eles estão elevados porque a demanda global subiu vertiginosamente num momento em que países como China e Índia adotaram o livre mercado e começaram a crescer velozmente e a consumir mais energia. Portanto, os preços do petróleo dispararam porque os mercados livres funcionam, e não ao contrário. No setor habitacional, o enredo é mais complexo. As instituições financeiras claramente fizeram terríveis apostas de que os preços continuariam aumentando, e isso colocou a economia em risco. Os proprietários de casas perseveraram nos seus sonhos, apenas para vê-los frustrados assim que as taxas de juros que incidiam sobre financiamentos hipotecários se ajustaram a um nível mais elevado e os preços despencaram. O sofrimento deles é real, e o Congresso está certo em tomar alguma providência para atenuá-lo.

Mas será a crise habitacional suficiente para desfazer décadas de experiência que atestam que os mercados livres funcionam? Dificilmente. A verdade é que preços flutuam e que algumas vezes as pessoas adivinham corretamente, e outras vezes incorretamente. Isso sempre foi verdade, especialmente durante o período que convenceu o mundo de que o sistema de livre mercado é o melhor.

Consideremos da seguinte forma. Quase 68% dos americanos possuem suas casas. Na Alemanha, apenas 40% as detêm. Essas cifras são tão diferentes em grande parte porque os EUA são mais livres economicamente do que a Alemanha. O crescimento maior da renda e crédito mais fácil levaram a maiores taxas de posse de moradias nos EUA e a condições que são mais difíceis de mensurar. Isso abriu caminho para júbilo, e também para tensão.

Mas mesmo depois que a poeira assentar os americanos estarão muito à frente. Ninguém poderá alegar que estaríamos em situação melhor adotando um sistema completamente diferente. Nós definitivamente estaríamos em melhor condição se a regulação bancária tivesse sido mais racional e se a regulação por zoneamento não tivesse contribuído tanto para a disparada nos preços dos imóveis. Mudanças devem ser, naturalmente, introduzidas no nosso sistema.

É praticamente possível assegurar que outra confusão acontecerá logo adiante. Os americanos sempre aceitaram isso como parte do trato do livre mercado e podemos apostar que aceitarão mais essa vez.

Kevin Hassett, diretor de Estudos de Política Econômica no American Enterprise Institute, é colunista da Bloomberg News.

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