quinta-feira, 31 de julho de 2008

Muitos donos, coisa ruim para todos e cada um

"The Gridlock Economy" - Michael Heller. Basic Books, 259 págs. US$ 26
BusinessWeek

Na década de 1950, milhões de garotos americanos participaram de uma corrida ao campo. A Quaker Oats adquiriu muitos acres de terras no Yukon, subdividiu-os em 21 milhões de pedacinhos de uma polegada quadrada e distribuiu os respectivos títulos de propriedade nas embalagens de seus cereais - produzindo, assim, uma das mais bem-sucedidas campanhas de marketing na história.

Mas a mobilização criada pela campanha provocou uma porção de problemas. Por exemplo, até que todos os pedaços fossem finalmente amealhados por um único proprietário, as terras permaneceram ociosas - ainda que um garoto tivesse enviado ao cartório quatro palitos para cercar seu terreninho e outro tenha tentado doar seu "latifúndio" de três polegadas quadradas para a criação do menor parque do mundo.

Em "The Gridlock Economy: How Too Much Ownership Wrecks Markets, Stops Innovation, and Costs Lives", Michael Heller, professor da faculdade de Direito de Columbia, faz referência à "Grande Polegada" e a muitos outros casos para descrever um conceito contrário à cultura americana de respeito à propriedade privada. Embora normalmente se crie riqueza, observa Heller, podem surgir impasses quando muita gente é dona de pedacinhos de uma única coisa. Essa "tragédia da pulverização da propriedade" - um termo originalmente cunhado pelo autor em 1998 - "refere-se a qualquer cenário no qual um número excessivo de pessoas pode impedir-se mutuamente de criar ou usar um recurso escasso". Embora o conceito possa não ser familiar, ao chegar ao fim do livro o leitor começará a ver seus fantasmagóricos tentáculos por toda parte.

O relato sobre a campanha de marketing da Quaker é essencialmente cômico, mas a maioria dos exemplos de Heller são mais sérios. Ele argumenta persuasivamente, por mais extravagante que possa inicialmente parecer, que essa fragmentação de propriedade é em grande parte responsável pelos atrasos nas viagens aéreas, pelos baixos valores de propriedades imobiliárias em muitas comunidades, pelas velocidades mais lentas nos Estados Unidos do que no Japão nas conexões em banda larga. A pulverização da propriedade também pode explicar por que um medicamento promissor para o mal de Alzheimer não chega ao mercado e por que tantas pessoas morrem de falência de órgãos.

No caso da terapia para o mal de Alzheimer, um dos problemas, diz o autor, é que diversos detentores de propriedade intelectual controlam as patentes necessárias para um único medicamento eficaz. As companhias farmacêuticas valem-se de seus direitos de propriedade intelectual para barrar rivais. Embora os gastos com pesquisa e desenvolvimento de novas drogas tenha dobrado de 1995 a 2002, o número de "novas entidades moleculares", ou novas terapias aprovadas para comercialização, nos Estados Unidos, caiu, em 2002, para seu mais baixo nível desde 1983.

Mas Heller não é anti-Adam Smith: ele acredita que empreendedores e setores de atividade econômica podem muitas vezes solucionar eles próprios esse tipo de problema. O projeto Golden Rice (Arroz Dourado) é um exemplo perfeito. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), chega a 500 mil o número de crianças em todo o mundo que ficam cegas anualmente por causa de deficiência de vitamina A. Para atacar o problema, dois cientistas desenvolveram arroz modificado geneticamente contendo a vitamina necessária. De início, a obtenção dos direitos ao uso das cerca de 70 patentes americanas cruciais à iniciativa Golden Rice pareceu uma tarefa enorme. Mas, no fim das contas, os detentores de propriedade intelectual, entre eles a Syngenta, a Novartis e a Monsanto, ajudaram a agregar e licenciar suas tecnologias gratuitamente.

Em muitos casos, boa-vontade não resolve problemas. Mas alguns dilemas podem ser solucionados por meio de maneiras inovadoras de gerenciar direitos de propriedade intelectual. Em cenários de desenvolvimento econômico, proprietários de terras freqüentemente vêem que seus lotes valem menos do que se fossem agregados - mas a consolidação de terrenos, por vezes envolvendo desapropriações, pode ser complicada, e ainda assim os proprietários receberão menos do que um justo valor. Uma solução: Heller propõe que vizinhos constituam associações condominiais, que poderão dar aos proprietários maior controle sobre a agregação e a venda.

Outros problemas exigem intervenção estatal. Um capítulo fascinante do livro examina as "Guerras das Ostras" na baía de Chesapeake, que persistiram durante anos, numa disputa por quem teria o direito de captura dos moluscos.Esse imbróglio envolvendo fronteiras estaduais acabou exigindo a intervenção da Suprema Corte.

Casos históricos pontuais à parte, a maior parte do livro de Heller é sobre o futuro, com implicações para políticas no setor de comunicações sem fio, para a legislação de direitos autorais americana e para o gerenciamento do crescimento urbano. Cinqüenta anos depois da campanha de marketing da Quaker Oats, não há final feliz à vista para essa "tragédia".

Tradução de Sergio Blum

Nenhum comentário:

Minha lista de blogs