terça-feira, 29 de julho de 2008

Nós mudamos

Delfim Netto

Nos idos das décadas de 50 e 60, boa parte do pensamento econômico brasileiro estava ligada ao que se chamava “escola estruturalista”, patrocinada pela Cepal. De acordo com ela, uma das razões mais importantes para explicar o processo inflacionário crônico na América Latina era a resposta ineficiente da produção agrícola aos estímulos dos preços. No processo de industrialização e urbanização, a demanda por alimentos dependia do crescimento da população, do aumento da renda per capita e da sua própria elasticidade em relação à renda. Como os países eram fechados, se a oferta interna não acompanhasse o aumento da demanda, os preços subiriam, produzindo um processo inflacionário, porque o desequilíbrio se perpetuava quando a política monetária sancionava os reajustes de salários para compensá-los.

Na FEA/USP desenvolveu-se um longo trabalho que procurava demonstrar a falsidade dessa suposição. Seu enterro definitivo foi feito com cuidado pelo professor Affonso Celso Pastore, na sua tese de doutoramento de 1968, A Resposta da Produção Agrícola aos Preços no Brasil, que, com justiça, tornou-se um clássico da literatura econômica nacional. A principal conclusão que vale a pena transcrever nos informa que a análise levou “à rejeição da hipótese de comportamento irracional dos agricultores. A investigação empírica realizada mostrou que não existem razões para rejeitar a hipótese de que os agricultores no Brasil tomam suas decisões sobre “o que” e “quanto” produzir através de critérios próximos ao da maximização dos lucros”. Os últimos 40 anos confirmaram continuadamente tal proposição.

Neste mês de julho, a faina agrícola da produção de grãos no Brasil está encerrada. As estimativas de área plantada e produção realizadas pelo IBGE e pela Conab (agora coordenadas) podem ser consideradas praticamente definitivas. Os resultados estão na tabela.

Os números confirmam a olho nu as conclusões do professor Pastore: dentro das condições tecnológicas admissíveis, os preços relativos dos produtos determinaram o comportamento dos agricultores. A tabela revela que a produtividade do setor segue crescendo. Com relação ao uso da terra, foi de 5,9% na safra que agora se encerra, a mostrar que a tecnificação e o uso de insumos modernos permanecem, apesar dos custos exorbitantes impostos pelo aumento dos preços do petróleo.

Nada poderia demonstrar melhor o fato corriqueiro de que “não existe almoço grátis na economia” do que a grande evolução da nossa agricultura. Se continuássemos um país fechado, não teríamos hoje qualquer problema com os preços dos alimentos. Em compensação, seríamos muito mais pobres. Vivemos uma pressão inflacionária vinda dos produtos agrícolas porque hoje estamos abertos ao comércio internacional. Somos grandes exportadores e importadores com uma comercialização razoavelmente livre. Nossos preços internos refletem as condições de oferta e procura do mercado mundial transmitidas pela taxa cambial.

A exceção que confirma a regra é o problema que tivemos com o produto mais idiossincrático do consumo brasileiro, o feijão. A Conab nos informa que a diminuição da sua área plantada na primeira safra (outubro/dezembro de 2007), de 15,8% (da produção de 19,9%), ocorreu em razão dos “baixos preços do produto na safra passada e da redução da produtividade”, causados por fenômenos climáticos (estiagem prolongada e baixa temperatura). A produção recuperou-se na segunda safra de feijão colhida a partir de março de 2008, que cresceu 38,2%, e na terceira, ainda sendo colhida, que aumentou 0,8%.

A nova política agrícola deve ajudar a expandir a produção nacional, particularmente a agricultura familiar, mas temos de entender que não são mais a demanda e a oferta internas que determinam o custo da alimentação no Brasil. Ele é estabelecido por preços fixados pela demanda e pela oferta mundiais e internalizado por meio da taxa de câmbio. Esta, desde 2006, tem sido desastradamente supervalorizada para controlar artificialmente a taxa de inflação.

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